- Espera. Dá-me tempo para me acalmar. Não estou habituado a estas emoções!
Marta olhava para ele ali, nervoso, assustado, mas havia mais alguma coisa. Algo que não batia certo. Marta, recém sabedora das suas capacidades, prestou atenção ao que sentiu. Ia falar com Mário quando o telemóvel tocou.
- Dr. Marta? Aqui fala a Inspectora Joana. Está recordada?
“Como podia esquecer”. Pensou Marta
- Sim, claro.
- Dr.Marta, lamento muito perturbá-la a esta hora mas o Inspector Mesquita pediu que viesse connosco a um local.
- Quem? Eu saí daí ainda há pouco.
- O Inspector Francisco Mesquita. Foi-lhe impossível estar presente na reunião que tivemos de tarde mas eu informei a doutora que o Inspector Mesquita é o responsável pela investigação.
- Isto não pode ficar para amanhã?
- Eu vou buscá-la a casa. É importante Dr. Marta. Existe a possibilidade de uma nova vitima.
Marta engoliu em seco. – Está bem. Fico à sua espera.
- A doutora que o nosso amigo nos indicou concordou em ir connosco.
O inspector Francisco riu-se.
- Porque não dizemos “Aqueles que não queremos mencionar”? Trate as pessoas pelo nome, Joana.
- Quem diria? A nossa própria Allison Dubois! Continuou Francisco.
- Como?
- A Allison Dubois, é da série Medium… deixe lá, esqueça.
O Inspector Francisco já se tinha habituado a que não percebessem as suas fantásticas, achava ele, tiradas. Francisco era um ávido leitor e um não menos ávido espectador de filmes e séries. Quem trabalhava com ele já não se admirava quando Francisco comentava ou comparava um crime ou outro assunto qualquer com frases, cenas e personagens fictícias.
Sendo um divorciado a chegar aos 35 anos, Francisco tinha o tempo fora da Judiciária só para si. Não era muito dado a saídas e viagens, a não ser que o destino fosse a casa dos pais, e como tal gastava o seu tempo naquilo que mais gostava, o mundo da ficção. “Preencher a mente com estas histórias ajuda-me a reconstruir os quebra-cabeças que nos aparecem”, costumava ele dizer.
- Ela não é médium – disse Joana – quer dizer, não sei! Sente as situações, o carácter das pessoas, se a estão a enganar. O professor pode explicar-te melhor.
- Meu Deus! O estrago que ela podia fazer na Assembleia da Republica!
- Chefe – riu-se Joana – isto é a sério!
- Mas eu estou a falar a sério. – piscou-lhe o olho – Ok. Vamos lá!
- Mas eu não posso voltar para casa! – disse Mário pela, pelo que pareceu a Marta, a centésima vez.
- Fala baixo. Eu não sou surda.
- Eu fico aqui à tua espera. Por favor Marta?
Já sem tempo para tentar chegar a qualquer outra solução, Marta concordou.
- Como está Doutora? Perguntou a Inspectora Joana já no interior do carro.
- Podia estar melhor. Este dia parece que não quer acabar!
- O Inspector Francisco foi directo para o local. Vai gostar dele. Já vi que a Doutora gosta de rir-se e ao Inspector humor é que não falta!
“Que bom.” Pensou Marta “Só me faltava um palhaço.”
- Estamos a dirigir-nos para o local da investigação? Eu pensava que não me iria envolver neste lado da questão.
- A situação mudou um bocado, complicou-se, e a possibilidade de uma quarta vitima acelerou o processo.
- Inspectora? O Dr. Pedro vai estar no local?
- De-Desculpe? Gagegou Joana.
- O Dr. Pedro Madureira?
- Ele já lá está.
Marta ficou aliviada. Uma cara que podia chamar de familiar.
- Doutora. É melhora avisá-la. A vitima. É, era – corrigiu Joana – a esposa do Doutor Madureira.
O resto do caminho fez-lo calada. “A esposa do Doutor Madureira”, como é que ela não percebeu que Pedro era casado. “Que raio de PES sou eu?”
Quando deu por ela já estava na casa de Pedro. A casa onde tinha estado dias antes. Olhou em volta da sala em busca de pistas que lhe pudessem ter dito a real situação de Pedro. Viu que não haviam fotos pessoais, apenas de paisagens e monumentos. Percebeu que a sala podia ser de qualquer pessoa, não havia lá nada que a identificasse como sendo de um homem solteiro ou casado. Apenas numa observação mais cuidada se perceberia que havia ali um casal.
Foi até quarto. Ao olhar para aquela cena Marta não pode deixar de sorrir. Todos de toucas e batas brancas, nada do ambiente de glamour e fatos Dolce&Gabana que se vê nos CSI.
- Não é como na TV, pois não.
A voz aveludada surgiu atrás dela. Mais uma vez Marta sorriu “deve ser outro PES”.
Marta virou-se, o seu olhar encontrou o olhos castanhos de Francisco. O olhar dele perturbou-a. Isso poderia ser um mau sinal mas naquele momento soube-lhe muito bem.
- Não, realmente não!
- Eu sou o Inspector Mesquita. Muito prazer.
- Também têm os óculos-de-sol?
Francisco não contava com a resposta mas ficou agradavelmente surpreendido.
- Claro! E até uma ou outra pérola de sabedoria.
Marta ia rir-se quando se apercebeu da presença de Pedro no quarto. A gargalhada calou-se.