sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

XXXII

Francisco estava no meio da sala da casa de Joana. De braços caídos olhando em volta como se perdido. Marta encostada à ombreira da porta do quarto, virada para fora, de braços cruzados olhava para o chão pensativa.
Francisco aproxima-se de Marta. Fica a 3 passos dela, o suficiente para que seja notado e fitado no olhos:
- Então? Ideias?
- … Nada! – disse derrotada.
- Isto já estava mau. E agora com Joana assim… ainda fica pior. O caso onde ela estava a trabalhar, principalmente, vai ficar um bocado … como dizer… desfalcado…
O nome do Inspector é dito alto:
- Que foi? – salta Francisco como se despertasse.
- O DVD. Está vazio.
- HEM?
- Sim! Vazio. Nada.
- Esta agora?
- Não há DVD?- pergunta Marta curiosa – deixem-me ver.
Marta aproxima-se do leitor de DVD – Já viram tudo que a havia para ver? - Respondem-lhe afirmativamente – Ora bem. Vejamos…
Seus dedos acariciam o aparelho.
Nada.
- Ele não mexeu aqui.
- Mas nos outros sítios havia um DVD igual. Já fui informado disso? Será que se esqueceu?
- Francisco! Nem pareceu teu. – disse Marta – Aqui há mais qualquer coisa.

Marta coloca-se de pé num salto. Olha para o inspector.
- FRANCISCO!
Todos no apartamento correram ao ouvir o grito.
- Que foi Marta?
- FRANCISCO?
- QUE FOI RAPARIGA? DIZ-ME!
As palavras estavam presas. Não saíam.
Marta olha para a casa de banho. Corre nessa direcção e entra de rompante como se quisesse apanhar alguém se surpresa. A porta abre com estrondo. Os 3 agentes que se encontravam assustam-se de tal modo que um deles que estava numa posição menos favorecida, escorrega e cai para dentro da banheira para cima do corpo de Joana.
Marta ignora tudo. Dirige-se para o espelho. Passa-lhe a mão como se limpasse a condensação do vapor de água:
- Quem és tu?
Nada. Marta não via nada.
- QUEM ÉS TU? – Grita Marta batendo com a mão no espelho do armário quase partindo-o.
A mesma resposta.
Sai da casa de banho olhado em volta. Procurando algo perdido.
- Estás maluca ou queres colocar-nos a todos malucos? – Pergunta Francisco.
- Francisco! – diz Marta olhando para o inspector a com os olhos muito abertos – não tenho a certeza, mas… - o seu olhar prende-se na garrafeira. - … o passarinho deixou cair uma pena!
- Marta! Por favor, fala, mas faz sentido. Estou quase a rebentar.
- Alguém já verificou a garrafeira?
- Acho que não. – disse o agente mais próximo do local que Marta tinha acabado de referir.
- Então esperem!
Marta aproxima-se da garrafeira. Toca na porta. Sente um choque que atira para trás ligeiramente. Um bom sinal. Abre a porta devagar. Com as costas do dedo abasta uma, duas garrafas. Olha para o fundo. Introduz lentamente a sua mão direita no armário para logo após a trazer para fora arrastando com a unha uma tampa de garrafa. O agente que se encontrava ali não parava de tirar fotografias a mando de Francisco. Outro, com um lenço pega na tampa. Marta aponta para dentro do armário – Aquela. – Foi a vez Francisco. Com outro lenço e com muito cuidado retira a garrafa de whisky indicada.
Ambos os elementos são colocados em cima da mesa da sala:
- Terá impressões digitais Inspector?
- Duvido. Marta! Queres fazer favor de partilhar os teus pensamentos?
- Mostrem-me um sítio onde não haja impressões digitais na garrafa.
Francisco, arranca a caixa de utensílios da mão do agente que prontamente avançou e com cuidado verificou a existência de impressões digitais com aquilo que se parecia a um pincel de espalhar espuma de fazer a barba.
- Aqui tens Marta.
Esta segura suavemente a garrafa na zona da base. Fecha os olhos… para logo os abrir. Pousa a garrafa e as mãos sobre a mesa. Sorri.
- Ou dizes o que passa ou dou-te uma tareia. – diz Francisco.
- O pássaro deixou uma pena. Ele bebeu por aqui. A rolha deve ter ficado mal enroscada e caiu.
- Não temos impressões, mas temos ADN… isto se o álcool do whisky não prejudicou a composição. Aqui por fora devemos ter sorte.
- Isto hoje tem outro ambiente. Não está nada igual. Não deixou o DVD. Não esteve em frente ao espelho. Não fez as coisas com método e calculadas. Simplesmente fez. Há falhas no ritual.
- Sim! Ele fez isto já com gozo. Deu-lhe prazer mesmo. Deixou de pedir ajuda e passou a gozar.
- Não!
- Não?
- Quem fez isto foi outra pessoa. Alguém mais robusto. Vi-o na porta envidraçada da garrafeira.
- O QUÊ? Tens a certeza?
- Quase. Não vi a cara. Mas aqui não há qualquer sentimento. Esta casa está fria.
- Com esta é que me fod… - … posso ver o dossier? - … este!? Qual dossier?
- O que a Joana estava a investigar.
- Claro que não.
- Não o quero abrir. Quero “ver”.
- Bom. Isso, acho que se arranja. Vamos à base.
Francisco levanta-se, fazendo indicação a Marta para seguir na sua frente. Marta agradece e dirige-se à porta da saída. Francisco por sua vez segue-a, mas antes de ultrapassar a ombreia da porta, olha para trás. Pára por dois segundos, Frisa o sobrolho. Olha para a porta como se procurasse uma boca e esta lhe pudesse dizer um segredo. Sai.



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Dentro de uma pequena sala indicada por Francisco, Marta esperava impaciente. Tinha seguido o inspector pelos corredores da Policia Judiciária tão absorta em pensamentos que ficou com a impressão que se quisesse sair dali não conseguiria.
Finalmente a porta abre-se descobrindo Francisco com uma pasta grossa cheia de papeis a transbordar. Coloca-o em frente a Marta:
- Toma. Podes "apalpa-lo" mas não "vê-lo". Percebes?
- Sim. – diz Marta pensativa e quase tremendo.
Suas mãos ficam por cima do dossier sem o tocar, como se esperasse que este viesse ao seu encontro. Devagar as mãos começam a descer. Mal tocam no dossier, Marta é atira para trás valendo-lhe o inspector de se estatelar no chão:
- Então rapariga? Que foi?
- Quem é Maria da Conceição? Esse nome não me é estranho!
Francisco fica de boca aberta, sem saber o que dizer:
-Anda homem! DIZ!
- É… é… mas como? Não perceb…
- DIZ!
- É a primeira vítima. EU já… - Francisco falava quase sílaba a sílaba.
- Já me lembro. A bancária de Bragança que vivia em Sintra.
- Sim…
- Espera! Deixa-me ver outra vez. Ampara-me aí atrás. Sei lá o que vai acontecer! – Marta sentia-se cada vez mais confiante.
As mãos voltam a poisar no dossier, mas desta vez resolutas.
Passam 2 segundo e Marta levanta-se sem aviso atirando com a cadeira com força:
- PORRA! FOD.. Os meus tom… - Francisco dobrou-se segurando as partes genitais.
Marta ignorando o sucedido diz:
- Francisco! O Pedro mexeu neste dossier?
- HEM? Que estás a dizer?... Porra que dor!... Sim! Mas também não o abriu. Podes esperar um bocadinho enquanto me recomponho?
- E quem O viu? Quem o conhecia por dentro. Gente de fora que não fosse agentes?
- Ninguém!
- De certeza?
- Sim, páh! – Francisco levanta-se aos poucos, apoiando-se nos joelhos. – Porquê?
- Vi Pedro a desfolhar o dossier… - neste momento Marta entreolha-se – e a tirar fotografias.
- Fod… O QUÊ?!
- Sim. – Marta volta a sentar-se. – Que dossier é este?
- O dossier "Migalhas"... Eu conto-te. Não devia mas conto-te. Houve um desvio monstro de dinheiro dentro de um grupo bancário. Tudo indicava para uma funcionária que acabou por aparecer morta. Por coincidência a nossa 1ª primeira vitima do Serial Killer. Ainda pensamos que teria sido resultado daquela falcatrua, mas depois vieram outras mortes e… ficamos sem nada.
- Coincidência?
- Assim parece. Mas o Pedro? Esta agora?!
- E o dinheiro?
- Pois! Não sabemos onde está. Desconfiamos que estará guardado num sítio o menos suspeito possível, porque não houve tempo para o levarem, mas não sabemos onde. Oops. Telemóvel. Espera um minuto.
Francisco tira o telefone do bolso e leva-o à orelha.
-SIM! AGORA NÃO POSSO… sim… está bem… o que foi? O QUÊ? ÓH C’UM CARAL… - Francisco contém-se olhando para Marta. – Já vou! – diz desligando o telefone.
- Que foi Francisco?
- Vem comigo. Isto hoje é pior que o valha-me Deus.
- QUE FOI FRANCISCO?
- Anda digo-te no carro!...



-//-


A porta do escritório de Bernardo estava guardada por dois agentes da PSP. Francisco chega sozinho. Dirige-se para um agente da polícia Judiciária seu conhecido e diz:
- João. Leva uma garrafa de água a Marta. Ela está no meu carro. Não parou de chorar a viagem toda até aqui.
- Sim senhor!
Pedro já se encontrava no local. Francisco olha para ele. Sentiu alguma raiva e vontade de lhe dar uns belos socos. Nesse mesmo momento , abre muito os olhos. Tinha acabado de ter um epifania. Dirige-se para ele:
- Pedro! Há quando tempo é que te conheço?
- Francisco! Isto não é o melhor momento para… há gente morta ali ao lado… um caso para resolver…
- RESPONDE! – diz Francisco agarrando os colarinhos do casaco de Pedro, puxando-o para si.
- TEM CALMA! Que se passa?
- RESPONDE, JÁ DISSE!
- Sei lá?! Desde sempre.
- E Marta?
- Esta agora?... Mas…
- PEDRO! Não me faças perder a paciência!... – Francisco mostrava-se mesmo furioso.
- DIAS?
- Isto há coisas do diabo. Senhores agentes! Prendam este homem para averiguações. Só sai de trás das grades quando eu disser e quero um agente SEMPRE de GUARDA. ACORDADO! Nem que se meta na cadeia com ele para jogar às cartas.
- MAS O QUE É ESTA MERDA?... – Pedro é algemado e levado de rojo enquanto protestava gritando a plenos pulmões.
Quando o ambiente acalmou, O inspector dirige-se para a porta do escritório de Bernardo. Na sua cabeça ainda ouvia a noticia dada a seco pelo telemóvel. " A Mónica foi brutalmente assassinada…". Pega num lenço e prepara-se para abrir a porta… quando sente uma mão em cima do seu ombro esquerdo:
- Deixa-me ser eu a entrar. – sussurrou-lhe uma voz.
Francisco volta-se e vê Marta. Sua cara estava pálida. Os olhos inchados.
- Tens a certeza?
- Temos que parar com isto. Deixa-me entrar. Eu estou bem. – disse Marta sem tirar os olhos da porta do escritório do seu patrão.
- Embora me custe deixar-te entrar nesse estado… está bem. Mas tem cuidado.
-Sim…
Marta empurra a porta com os nozes dos dedos até ficar completamente aberta. Entra devagar de braços atirados para a frente, semiabertos, como se entrasse num quarto sem luz. Não sente nada! Entra até meio do escritório e pára. Olha em volta e vê algo que a faz dar um grito que é abafado pelas suas próprias mãos:
- Marta! É melhor ires embora. Não é nada bonito de se ver. Vais ficar toda embaralhada e tirar conclusões erradas.
- Não! Tem que ser. – Diz marta inspirando profundamente.
Mónica jazia no chão com o cabelo ainda mais vermelho que o costume. Estava de barriga para cima de braços abertos e os joelhos virados par ao lado direito. Parecia que tinha sido atropelada. Mas não! Mónica tinha sido abalroada não por uma veiculo, mas por algo muito cortante. Tinha um golpe profundíssimo que ia desde a testa do lado direito até ao ombro do lado esquerdo e um outro golpe vertical no abdómen apanhado toda a zona do estômago. A força empregue tinha sido brutal. Marta olhava atentamente para Mónica fazendo um esforço para afastar a imagem grotesca. Era muito difícil e o cheio a sangue quase a fazia vomitar. Fecha os olhos e volta a inspirar fundo.
Ao abrir novamente os olhos, estes caiem directamente em cima de qualquer coisa que está na mão direita de Mónica. Meio escondido por causa do sangue… mas estava ali qualquer coisa:
- Francisco. Está ali qualquer coisa.
- Deixa ver… não sentes nada em volta?
- Não! Isto está frio. Como se não tivesse acontecido nada.
- Eu não devia fazer isto… mas que se lixe. Toma! É um bocado de fio de couro o que estava na mão da Mónica.
Marta abre a mão direita para receber aquele bocado de quase nada. Fecha a mão com força até os nozes dos dedos ficarem brancas. Nesse mesmo momento Marta abre os braços, ficando tensa como se tivesse sido trespassada por uma espada. Respira ofegante. 5 segundos depois o corpo desfalece, aparada por Francisco:
- Então? Alguma coisa?
Marta queria falar e mal conseguia. Larga o pedaço de couro ensopado, ficando um risco de sangue na mão. Depois de alguma tentativas de se recompor, Marta finalmente faz menção de se levantar. Apoiada por Francisco, aponta para o telefone:
- Ali! Mónica esteve a falar com alguém ao telefone.
Francisco corre para o telefone e carrega no botão do remarcador:
- Porra! Está no zero. O gajo foi cuidadoso.
-Não faz mal. Faz-se um "print" da central. Tens de onde para onde, a que horas e quanto tempo.
- BOA! João! Trata já disso.
- Sim senhor! É já!... Alguém sabe-me dizer... - A vóz do agente João desparece para o exterior.
- E que mais Marta?
- Aquele fio era um bocado do um colar que Mónica trazia sempre ao pescoço. Um banco. E gavetas. Grandes Gavetas. Há qualquer coisa escondida num banco onde se alugam cofres.
- Isso é muito importante. MAS ESPERA LÁ!... Tu queres ver que o dossier "Migalhas" está relacionado com estas mortes todas? Mónica estava como suspeita. Se não, porque Joana foi morta daquela maneira? Até me está a começar a doer a cabeça. E o que Pedro tem haver com isto?...
- Vi Pedro a sair algemado.
- Fui eu que o mandei prender para averiguações.
- CHEFE! ESTÁ AQUI! – diz o agente João com um papel triunfante na mão.
- Deixa cá ver!!! AHÁ! Aqui está! Marta olha! Belos sistema que vocês têm aqui. Vamos lá ver para onde é e com quem estava a falar – diz Francisco tirando o telemóvel do bolso.
Todos estavam pendurados na expectativa:
- Estou? Boa tarde. Daqui fala inspector Francisco da Policia Judiciária. Com tenho o prazer de estar a falar? Cristina… Silva. Sim!? A sua amiga Mónica… estava a falar com ela… e caiu a chamada… ouviu um barulho. E já participou à polícia? Ainda não. Pois! Ficou sem saber o que fazer. Compreendo. SIM! Antes de falar o que sucedeu… diga-me, falava de que assunto com Mónica?... Eu sei que é particular mas isto é um caso de via ou de morte!... Muito grave mesmo!... E de certeza eu não pretende ser implicada no caso…. Sim? E Então? … … … Muito bem. Foi uma grande ajuda. Mantenha-se em casa de porta fechada à chave. Não abra a aporta a ninguém até chegar a PSP. Onde mora exactamente?... Sim!... Exacto. Obrigado! – desliga - João toma esta morada! Trata disso.
Marta estava de boca aberta:
- Muito bem. Vamos embora daqui. Deixemos os forenses tratar do resto. Adivinha para onde vamos?
- SEI LÁ! TÁS PARVO?
- Parece que Mónica disse à amiga que ia de férias para o resto da vida, em breve, porque ia ganhar um euro-milhões de uma gaveta que ficava pertinho da casa desta sua amiga.
- Mal ela sabia como estava certa. – disse Marta, cabisbaixa.
- João! Já que estás com a PSP ao telefone, faz o que for preciso para colocares agentes, nem que seja o exército, em cada banco que tiver cofres para alugar perto dessa morada que te dei.
- Que está a pensar chefe? Acha que o "Migalhas" e o "Colarinhos" estão ligados? – falava o Agente João enquanto marcava números no telemóvel.
- Estou a ficar com impressão que há aqui uma coisa bem mais pérfida do que se pode estar à espera. As peças do puzzle são. Maria da Conceição, dinheiro roubado, Serial Killer… César e Bernardo. Falta saber como estão ligados.
- HEM? – disse Marta arregalando os olhos. – César? Bernardo?
- Hã!? NADA, NADA! Esta a pensar alto. Deixa lá!... Marta. Vou-te deixar em casa. Deves estar cansada. João! Quero uma agente EM CASA com Marta.
- Sim chefe!... Mas eu posso…
- JOÃO!!!
- Desculpe chefe.
- Francisco? E Pedro? O que é que… - disse Marta quase desfalecendo de exaustão.
- Agora vais para casa, tomar banho e dormir. O Pedro…. Vou ter uma conversa com ele agora.