terça-feira, 30 de outubro de 2007

Capítulo XXXI

"Sim?"
"Bernardo? Quando vamos estar juntos?" questiona uma voz feminina do outro lado da linha.
"Quando? Tu já não te lembras do combinado? Tem calma, em breve estará tudo pronto para vires ter comigo!"
"Não Bernardo, estou farta! Estou-me a passar, sinto saudades tuas, não vejo a hora de estarmos finalmente juntos com todo aquele dinheiro! Vamos viver à grande até ao fim das nossas vidas!"
"Vamos? Vamos se fizeres o combinado, e agora tens é que te acalmar para ninguém desconfiar!"
"Calma?? Tu pedes-me calma?? Sabes, o cabrão do teu amigo Pedro gravou a nossa última conversa num pequeno gravador! E sabes o que fez depois? Mostrou a gravação à Marta! Sabes o que é isso significa? Estamos na merda a não ser que eu consiga por a mão naquele gravador!"
"O quê??? Tu deixaste que eles gravassem a nossa conversa?? És uma burra de merda! Tu sabes o que é que acabaste de fazer?? Sabes?? Foda-se! Tu és burra como à merda!"
"Desculpa meu lindo... estava muito excitada com a situação e..."
"Excitada??? Tu cala-te!! Vais encontrar aquele gravador custe o que custar! E rapidamente!"
"Mas como?? Não sei como o em..."
"Desenrasca-te porra!"

Bernardo desliga o telemóvel e continua a beber o seu Cocktail numa explanada bem longe da acção principal. Pensava agora na questão do gravador. Estava perturbado pois era algo que podia comprometer todo o esquema. Aquela burra... Num reflexo, abre a sua mala de mão de onde retira uma caixa de telemóvel a estrear. Rasga toda a embalagem e insere no telemóvel um SIM Card que vinha guardado dentro de um pequeno envelope. De seguida começa a marcar um número que mantém guardado na sua memória.


"Estou?"
"Parabéns, fizeste um excelente trabalho." responde Bernardo.
"Trabalho? Faço isto apenas com um objectivo..."
"Sim, o dinheiro claro!! Como te sentes?" pergunta Bernardo interrompendo.
"Vivo. A Marta continua longe do escritório o que dará toda a liberdade à Verónica para realizar as transferências. A PJ nem sonha, as provas que plantei foram cirúrgicas. Eles só não acusam imediatamente o Pedro porque temos um esquizofrénico apaixonado por Clara, um tal de César a cavar a sua própria sepultura."
"César?"
"Sim. Um peão num jogo de xadrez. Deixei-o descobrir as fotos da miúda e a PJ está confusa, não vão conseguir chegar a nenhuma conclusão e em breve este caso irá parar a uma gaveta bem funda." responde com tranquilidade ao mesmo tempo que observa uma foto assente na palma da sua mão.
"As fotos da pequena? Não era suposto ser a PJ a descobri-las? Tu faz tudo conforme o plano ou não vês um chavo ouviste?" diz Bernardo mudando o tom de voz e carregando nas sílabas de cada palavra.
"Descansa pois sei o que estou a fazer. César veio mesmo a calhar para baralhar toda a investigação."
"Ouve. Em relação ao nosso outro problema, a Verónica."
"Sim. A Verónica, sim. Tratarei dela para a semana como planeado, mas ainda precisamos dela pois só no último dia fará a transferência dos 90% de capital, e como sabes, apenas ela e a Marta sabem o código."
"Ouve-me bem, tu ouve-me bem. A estúpida da Verónica deixou que o Pedro e a Marta gravassem uma conversa que pode comprometer todo o nosso plano! Este factor pode deitar tudo a baixo!! Eu não quero passar o resto da minha vida atrás das grades a levar no cú!! Quero que resolvas também este assunto! Encontra-me esse gravador e elimina-o."
"OK. Considera-o feito. Tratarei disso muito em breve, e com especial atenção..."
"Breve? Não temos tanto tempo... Tens que tratar disso é já e pôr as mãos naquele gravador! E a Verónica tem que desaparecer mais cedo do que previsto. Faz o que tens a fazer..."
"Mas... mas ainda precisamos dela."
"Claro! Precisamos que ela faça a transferência, ela tem os códigos!! Ou queres ir perguntar o código à Marta?? Depois disso é tratares da Verónica como planeado, como toda a gente sabe, os acidentes acontecem."
"Sim. Não contava é que fosse tão cedo. Tinha pensado no dia 24."
"Isso é muito tarde... Precisamos de antecipar as coisas!"
"Vou ver o que posso fazer." responde com apreensão.
"É verdade, li aqui uma notícia de uma inspectora morta? Tu por acaso tiveste alguma coisa a ver com o que se passou??"
"Bonita mulher, muito requintada e com um cabelo de anjo. Ao que parece, deu luta a pequena, mas acabou por sucumbir. Não Bernardo, não fui eu."
"Por momentos pensei que tivesses sido tu, sabes?. Se lhe apanhas o gosto ainda começas a competir com os Serial Killers de Hollywood, Haha" diz sorrindo para o empregado de mesa que lhe traz mais um Cocktail.
"Hollywood? Eu não vivo nos filmes, sou real e por tal vivo na realidade."
"Em breve teremos os dois aquilo que tanto ambicionámos, tu e eu! Os milhões!"
"Os milhões Bernardo? Falas-me em milhões quando em ainda não vi um tostão. Contacta-me em dois dias." o telemóvel é desligado na cara de Bernardo.

Um peão num jogo de Xadrez, e tantos peões tem um tabuleiro de Xadrez... Bernardo pensa com os seus botões enquanto afunda as costas na cadeira da explanada, desfrutando em pleno da fabulosa paisagem. Os raios de sol que o atingem na face provocam-lhe expressões de conforto e serenidade. No entanto, nenhuma expressão humana conseguiria naquele momento esconder o nervosismo expresso nos seus olhos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Capítulo XXX

Francisco sentiu-se tonto. Estava a afogar-se em raiva, em dor, em impotência. Sentado na beira da cama, teve de se apoiar com uma das mãos. Na outra mão continuava o telemóvel a chamada não havia sido terminada. O nome de Joana estava no visor.

De um salto, Francisco levantou-se. Dentro da sua cabeça a consciência dizia-lhe que tinha de se concentrar, que tinha de ser racional, que tinha de ligar a Marta. Este telefonema fazia todo o sentido. Afinal de contas tinha de informar Marta imediatamente. A verdade, contudo, é que precisava de contar a alguém o que tinha acontecido e precisava de procurar o conforto na voz de alguém...

- Marta? - Disse Francisco logo que aquela atendeu - Preciso de ti. Prepara-te que vou passar na tua casa daqui a uns trinta minutos para te apanhar.

Marta já sabia que o inevitável acontecera. Um telefonema de Francisco àquela hora não podia significar outra coisa. Mas notou a voz do Inspector diferente:

- Com certeza Francisco. Vou preparar-me num instante... Aconteceu, não foi?

- Sim... - disse Francisco. Tinha intenção de lhe dizer que tinha sido Joana. Mas achou melhor não. - Até já...


Marta tomou um duche rápido. Enquanto o fez não conseguiu desviar o olhar do apoio da cabeça da sua banheira. Imaginava-se ali, morta. O coração batia depressa. Pensava numa cara desconhecida. Numa pobre mulher que tinha tido o azar de ser a escolhida pelo assassino. Um sentimento de pena invadiu-a.

Preparou-se rapidamente. Foi até à varanda esperar Francisco. O ar quente daquela noite de verão deu-lhe algum bem estar.

Francisco seguia no carro como se fosse um autómato. Na sua face não se produzia nenhuma expressão. A contrastar, no seu interior, o cérebro produzia hipóteses, o coração cavalgava, os intestinos embrulhavam-se.
Parou o carro em frente à casa de Marta. Não teve de esperar mais de um minuto. Esta entrou no carro e notou no rosto de Francisco aquilo que já havia notado na voz. Um inspector mais abalado do que esperaria com uma morte.
- Olá Francisco. Vamos lá caçá-lo? - disse por entre um sorriso forçado para ver se o animava. Este esboçou um sorriso que de tão leve quase não se notou.
- Vamos...
Ainda que percebesse que algo estava errado Marta optou por respeitar o silêncio do inspector. Por sua vez Francisco tentava escolher o timing certo para dizer a Marta quem tinha morrido. Como o silêncio se prolongava na viagem nocturna Marta ligou instintivamente o rádio do carro. Naquele momento passava publicidade. Marta escolheu outra estação. Ao ouvirem o jingle da rádio entreolharam-se. Era a rádio onde César trabalhava.
O destino da viagem era relativamente curto pelo que logo chegaram ao prédio onde Joana vivia. Francisco achou que aquela era a hora de contar a Marta. Antes de começar a falar, no entanto, foi a voz de Marta que se ouviu.
- Francisco... Como sabes que é aqui? Onde estão os teus colaboradores? Fomos os primeiros a chegar...
- Marta - atalhou Francisco - Anda... Vamos subir...
- Sim mas... Não esperamos por ninguém?
A resposta de Francisco ficou por dar. Desligou o carro no momento em que na rádio se começava a ouvir Estrela do Mar de Jorge Palma. Entraram no prédio, cuja porta estava apenas encostada, e dirigiram-se para o elevador. Entraram e Francisco carregou no 3º andar.
Tudo isto pareceu muito estranho a Marta. Porque não estava mais ninguém ali. Como sabia Francisco o andar? Porque lhe parecia que Francisco tomara aqueles passos como se já o tivesse feito antes? Enquanto estas dúvidas a assaltavam Marta reparou que o inspector estava virado para a porta do elevador, o olhar lá longe... os olhos marejados.
Saíram do elevador e Marta colocou-se atrás de Francisco. Ele dirigia-se a compasso para a porta que estava entreaberta, ao fundo do lado esquerdo.
- Não pegas na tua arma? E se ele ainda estiver lá? - Marta sussurrava escondendo-se atrás do inspector. Mais uma vez este permaneceu em silêncio.
Ao chegar à porta Francisco ia empurrá-la para entrar mas estacou. A mão, aberta, parou a poucos centímetros. Voltou-se para Marta e disse:
- Tens de entrar tu à frente. Temos de aproveitar o facto de ninguém ter estado aqui depois da morte.
- Mas... E se está alguém lá dentro?
- Não te preocupes... Infelizmente a única pessoa que está lá dentro não nos pode fazer mal algum... Confia em mim - Acrescentou Francisco ao ver o ar assustado e pouco convencido de Marta. - Tenta fazer o que havias feito em casa de Clara... Aquilo das rotinas...
Marta assentiu com um aceno de cabeça e colocou a mão na maçaneta da porta. Sentiu uma falta de ar repentina. Ela conhecia a mão que viu no lugar da sua. Era uma mão de mulher.
Entrou no apartamento para um pequeno hall e o perfume suave que pairava no ar fez com que falasse: - A inspectora Joana já chegou cá!
- Disse-o com algum alívio. Francisco, que havia atrás dela e observava o local e as reacções de Marta não respondeu.
Marta ouvia a música do Jorge Palma na cabeça. Estranhou. Não era música que gostasse por aí além. À medida que se deslocava na casa mergulhada numa escuridão quase completa a música aumentava de intensidade. Parou junto a uma porta e abriu-a. Mesmo não sabendo onde ficavam os interruptores Marta conseguiu acender a luz. Era um quarto. A cama estava desfeita e havia duas almofadas utilizadas e jogadas ao acaso sobre os lençóis. O pormenor que mais inquietou Marta era, no entanto, outro. O rádio-despertador estava ligado. A rádio era a mesma. A música também. Estava agora a terminar.
Marta apressou-se para desligar o despertador. Assim que lhe tocou deu um salto para trás e um grito grave. No lugar da sua via uma mão de homem. Afastou-se assustada. Segurando contra o peito a mão que se havia transformado por instantes.
Francisco assistia a tudo espantado. Também achara muito estranho o pormenor da sintonia do despertador. Ou, se calhar, não era assim tão estranho...
- A cama... - disse Francisco.
Marta ouviu-o ao longe mas percebeu. Dirigiu as suas mãos para a cama. Logo que tocou nos lençóis o ambiente do quarto mudou à sua volta. A luz estava mais suave, a música de fundo era outra mas não identificável. Na cama Marta via as mãos de homem que vira antes a percorrer um corpo feminino nu. As mãos de mulher que ela reconhecera percorriam um corpo nu masculino. Havia muito contacto. Via beijos. Via suor. Ouvia gemidos de prazer. Não tinha dúvidas de que aquelas duas pessoas tinham vividos uns momentos escaldantes. Marta sentia-se uma voyeur.
Marta corou ao olhar para Francisco. Encontrou dificuldades em explicar-lhe o que vira. A Reacção do inspector foi de estranheza.
Francisco não sabia que Joana andava a ver alguém pelo que a pergunta lhe saiu quase de imediato - Pareceu-te consentido?
- Sim... - Disse Marta que estava de novo absorvida pelo percurso que interrompera. Os seus passos foram na direcção da porta e seguiram pelo corredor até à porta seguinte. Francisco apressou-se atrás dela pensando se não seria melhor prepará-la para o que ia ver. Francisco conhecia o apartamento da sua colega de trabalho e sabia que por trás daquela porta ficava a casa-de-banho.
A dúvida na sua cabeça prolongou-se por tempo demasiado. Marta já abrira a porta. A luz estava acesa.
Ao chegar à ombreira Francisco preparou-se para ver a sua amiga morta. E esperou a reacção de Marta. Estranhamente Marta não disse nem fez nada. Parecia um sonâmbulo a caminhar em direcção à banheira. Estava tão absorvida que talvez não tivesse visto o rosto de Joana.
Marta aninhou-se ao lado da banheira e tocou no corpo. De novo as mãos do homem a acariciar o corpo da mulher ainda com vida. De novo as mãos da mulher a acariciar as mãos do homem.
Francisco assistia àquela cena em silêncio. Tinha de suportar a dor de ver Joana morta para não assustar Marta.
De repente as mãos de Marta deslizaram do ventre, pelos seios, para o pescoço. Começou a apertar e a empurrar o corpo para dentro de água. Francisco percebeu que ela estava a tomar o lugar do assassino. No rosto de Marta um sorriso assustador formou-se. Francisco agiu de impulso e correu para Marta puxando-lhe os braços para que ela largasse o pescoço de Joana. Nesse instante Marta recuperou a consciência e, ao ver o rosto de Joana, gritou e jogou-se para trás, não tendo caído porque Francisco a segurava.
Aterrorizada afastou o olhar daquela cena macabra e procurou refúgio nos braços do inspector. - Porque não me disseste? - Gritou Marta por entre soluços e lágrimas. Francisco também chorava. Finalmente podia soltar a sua dor. Ele não foi capaz de responder à pergunta de Marta mas não precisava. Esta percebia a necessidade de ser deixada às escuras.
Ficaram ali alguns momentos a chorar. Agarrados. Finalmente Francisco falou. - Vou ligar para a sede. - Disse após uma longa e profunda golfada de ar. - Quero aqui gente a tratar todos os centímetros quadrados. Tenho de apanhar este animal.
Marta estava parada no corredor enquanto Francisco ligava. A música continuava a ouvir-se no quarto. Furiosa dirigiu-se para lá. Ia decidida a desligar o despertador. A sua mão direita, de indicador em riste, tocou no off mas o que Marta viu foi a mão esquerda do homem a carregar no on. Depois olhou para o lado e viu, na outra mesinha de cabeceira, o telemóvel. Deslocou-se para lá e a mão esquerda pegou no aparelho, procurou o número de Francisco e ligou. Marta correu para Francisco. Queria ajudar e achava que tinha ali uma informação importante.
- FRANCISCO! Ele é canhoto... Depois de matar a Joana ligou o rádio e ligou para ti...
- Ligou o rádio antes de me telefonar?... Isso parece-me interessante! - Desabafou o inspector com um ar pensativo.