sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

XXXII

Francisco estava no meio da sala da casa de Joana. De braços caídos olhando em volta como se perdido. Marta encostada à ombreira da porta do quarto, virada para fora, de braços cruzados olhava para o chão pensativa.
Francisco aproxima-se de Marta. Fica a 3 passos dela, o suficiente para que seja notado e fitado no olhos:
- Então? Ideias?
- … Nada! – disse derrotada.
- Isto já estava mau. E agora com Joana assim… ainda fica pior. O caso onde ela estava a trabalhar, principalmente, vai ficar um bocado … como dizer… desfalcado…
O nome do Inspector é dito alto:
- Que foi? – salta Francisco como se despertasse.
- O DVD. Está vazio.
- HEM?
- Sim! Vazio. Nada.
- Esta agora?
- Não há DVD?- pergunta Marta curiosa – deixem-me ver.
Marta aproxima-se do leitor de DVD – Já viram tudo que a havia para ver? - Respondem-lhe afirmativamente – Ora bem. Vejamos…
Seus dedos acariciam o aparelho.
Nada.
- Ele não mexeu aqui.
- Mas nos outros sítios havia um DVD igual. Já fui informado disso? Será que se esqueceu?
- Francisco! Nem pareceu teu. – disse Marta – Aqui há mais qualquer coisa.

Marta coloca-se de pé num salto. Olha para o inspector.
- FRANCISCO!
Todos no apartamento correram ao ouvir o grito.
- Que foi Marta?
- FRANCISCO?
- QUE FOI RAPARIGA? DIZ-ME!
As palavras estavam presas. Não saíam.
Marta olha para a casa de banho. Corre nessa direcção e entra de rompante como se quisesse apanhar alguém se surpresa. A porta abre com estrondo. Os 3 agentes que se encontravam assustam-se de tal modo que um deles que estava numa posição menos favorecida, escorrega e cai para dentro da banheira para cima do corpo de Joana.
Marta ignora tudo. Dirige-se para o espelho. Passa-lhe a mão como se limpasse a condensação do vapor de água:
- Quem és tu?
Nada. Marta não via nada.
- QUEM ÉS TU? – Grita Marta batendo com a mão no espelho do armário quase partindo-o.
A mesma resposta.
Sai da casa de banho olhado em volta. Procurando algo perdido.
- Estás maluca ou queres colocar-nos a todos malucos? – Pergunta Francisco.
- Francisco! – diz Marta olhando para o inspector a com os olhos muito abertos – não tenho a certeza, mas… - o seu olhar prende-se na garrafeira. - … o passarinho deixou cair uma pena!
- Marta! Por favor, fala, mas faz sentido. Estou quase a rebentar.
- Alguém já verificou a garrafeira?
- Acho que não. – disse o agente mais próximo do local que Marta tinha acabado de referir.
- Então esperem!
Marta aproxima-se da garrafeira. Toca na porta. Sente um choque que atira para trás ligeiramente. Um bom sinal. Abre a porta devagar. Com as costas do dedo abasta uma, duas garrafas. Olha para o fundo. Introduz lentamente a sua mão direita no armário para logo após a trazer para fora arrastando com a unha uma tampa de garrafa. O agente que se encontrava ali não parava de tirar fotografias a mando de Francisco. Outro, com um lenço pega na tampa. Marta aponta para dentro do armário – Aquela. – Foi a vez Francisco. Com outro lenço e com muito cuidado retira a garrafa de whisky indicada.
Ambos os elementos são colocados em cima da mesa da sala:
- Terá impressões digitais Inspector?
- Duvido. Marta! Queres fazer favor de partilhar os teus pensamentos?
- Mostrem-me um sítio onde não haja impressões digitais na garrafa.
Francisco, arranca a caixa de utensílios da mão do agente que prontamente avançou e com cuidado verificou a existência de impressões digitais com aquilo que se parecia a um pincel de espalhar espuma de fazer a barba.
- Aqui tens Marta.
Esta segura suavemente a garrafa na zona da base. Fecha os olhos… para logo os abrir. Pousa a garrafa e as mãos sobre a mesa. Sorri.
- Ou dizes o que passa ou dou-te uma tareia. – diz Francisco.
- O pássaro deixou uma pena. Ele bebeu por aqui. A rolha deve ter ficado mal enroscada e caiu.
- Não temos impressões, mas temos ADN… isto se o álcool do whisky não prejudicou a composição. Aqui por fora devemos ter sorte.
- Isto hoje tem outro ambiente. Não está nada igual. Não deixou o DVD. Não esteve em frente ao espelho. Não fez as coisas com método e calculadas. Simplesmente fez. Há falhas no ritual.
- Sim! Ele fez isto já com gozo. Deu-lhe prazer mesmo. Deixou de pedir ajuda e passou a gozar.
- Não!
- Não?
- Quem fez isto foi outra pessoa. Alguém mais robusto. Vi-o na porta envidraçada da garrafeira.
- O QUÊ? Tens a certeza?
- Quase. Não vi a cara. Mas aqui não há qualquer sentimento. Esta casa está fria.
- Com esta é que me fod… - … posso ver o dossier? - … este!? Qual dossier?
- O que a Joana estava a investigar.
- Claro que não.
- Não o quero abrir. Quero “ver”.
- Bom. Isso, acho que se arranja. Vamos à base.
Francisco levanta-se, fazendo indicação a Marta para seguir na sua frente. Marta agradece e dirige-se à porta da saída. Francisco por sua vez segue-a, mas antes de ultrapassar a ombreia da porta, olha para trás. Pára por dois segundos, Frisa o sobrolho. Olha para a porta como se procurasse uma boca e esta lhe pudesse dizer um segredo. Sai.



-//-


Dentro de uma pequena sala indicada por Francisco, Marta esperava impaciente. Tinha seguido o inspector pelos corredores da Policia Judiciária tão absorta em pensamentos que ficou com a impressão que se quisesse sair dali não conseguiria.
Finalmente a porta abre-se descobrindo Francisco com uma pasta grossa cheia de papeis a transbordar. Coloca-o em frente a Marta:
- Toma. Podes "apalpa-lo" mas não "vê-lo". Percebes?
- Sim. – diz Marta pensativa e quase tremendo.
Suas mãos ficam por cima do dossier sem o tocar, como se esperasse que este viesse ao seu encontro. Devagar as mãos começam a descer. Mal tocam no dossier, Marta é atira para trás valendo-lhe o inspector de se estatelar no chão:
- Então rapariga? Que foi?
- Quem é Maria da Conceição? Esse nome não me é estranho!
Francisco fica de boca aberta, sem saber o que dizer:
-Anda homem! DIZ!
- É… é… mas como? Não perceb…
- DIZ!
- É a primeira vítima. EU já… - Francisco falava quase sílaba a sílaba.
- Já me lembro. A bancária de Bragança que vivia em Sintra.
- Sim…
- Espera! Deixa-me ver outra vez. Ampara-me aí atrás. Sei lá o que vai acontecer! – Marta sentia-se cada vez mais confiante.
As mãos voltam a poisar no dossier, mas desta vez resolutas.
Passam 2 segundo e Marta levanta-se sem aviso atirando com a cadeira com força:
- PORRA! FOD.. Os meus tom… - Francisco dobrou-se segurando as partes genitais.
Marta ignorando o sucedido diz:
- Francisco! O Pedro mexeu neste dossier?
- HEM? Que estás a dizer?... Porra que dor!... Sim! Mas também não o abriu. Podes esperar um bocadinho enquanto me recomponho?
- E quem O viu? Quem o conhecia por dentro. Gente de fora que não fosse agentes?
- Ninguém!
- De certeza?
- Sim, páh! – Francisco levanta-se aos poucos, apoiando-se nos joelhos. – Porquê?
- Vi Pedro a desfolhar o dossier… - neste momento Marta entreolha-se – e a tirar fotografias.
- Fod… O QUÊ?!
- Sim. – Marta volta a sentar-se. – Que dossier é este?
- O dossier "Migalhas"... Eu conto-te. Não devia mas conto-te. Houve um desvio monstro de dinheiro dentro de um grupo bancário. Tudo indicava para uma funcionária que acabou por aparecer morta. Por coincidência a nossa 1ª primeira vitima do Serial Killer. Ainda pensamos que teria sido resultado daquela falcatrua, mas depois vieram outras mortes e… ficamos sem nada.
- Coincidência?
- Assim parece. Mas o Pedro? Esta agora?!
- E o dinheiro?
- Pois! Não sabemos onde está. Desconfiamos que estará guardado num sítio o menos suspeito possível, porque não houve tempo para o levarem, mas não sabemos onde. Oops. Telemóvel. Espera um minuto.
Francisco tira o telefone do bolso e leva-o à orelha.
-SIM! AGORA NÃO POSSO… sim… está bem… o que foi? O QUÊ? ÓH C’UM CARAL… - Francisco contém-se olhando para Marta. – Já vou! – diz desligando o telefone.
- Que foi Francisco?
- Vem comigo. Isto hoje é pior que o valha-me Deus.
- QUE FOI FRANCISCO?
- Anda digo-te no carro!...



-//-


A porta do escritório de Bernardo estava guardada por dois agentes da PSP. Francisco chega sozinho. Dirige-se para um agente da polícia Judiciária seu conhecido e diz:
- João. Leva uma garrafa de água a Marta. Ela está no meu carro. Não parou de chorar a viagem toda até aqui.
- Sim senhor!
Pedro já se encontrava no local. Francisco olha para ele. Sentiu alguma raiva e vontade de lhe dar uns belos socos. Nesse mesmo momento , abre muito os olhos. Tinha acabado de ter um epifania. Dirige-se para ele:
- Pedro! Há quando tempo é que te conheço?
- Francisco! Isto não é o melhor momento para… há gente morta ali ao lado… um caso para resolver…
- RESPONDE! – diz Francisco agarrando os colarinhos do casaco de Pedro, puxando-o para si.
- TEM CALMA! Que se passa?
- RESPONDE, JÁ DISSE!
- Sei lá?! Desde sempre.
- E Marta?
- Esta agora?... Mas…
- PEDRO! Não me faças perder a paciência!... – Francisco mostrava-se mesmo furioso.
- DIAS?
- Isto há coisas do diabo. Senhores agentes! Prendam este homem para averiguações. Só sai de trás das grades quando eu disser e quero um agente SEMPRE de GUARDA. ACORDADO! Nem que se meta na cadeia com ele para jogar às cartas.
- MAS O QUE É ESTA MERDA?... – Pedro é algemado e levado de rojo enquanto protestava gritando a plenos pulmões.
Quando o ambiente acalmou, O inspector dirige-se para a porta do escritório de Bernardo. Na sua cabeça ainda ouvia a noticia dada a seco pelo telemóvel. " A Mónica foi brutalmente assassinada…". Pega num lenço e prepara-se para abrir a porta… quando sente uma mão em cima do seu ombro esquerdo:
- Deixa-me ser eu a entrar. – sussurrou-lhe uma voz.
Francisco volta-se e vê Marta. Sua cara estava pálida. Os olhos inchados.
- Tens a certeza?
- Temos que parar com isto. Deixa-me entrar. Eu estou bem. – disse Marta sem tirar os olhos da porta do escritório do seu patrão.
- Embora me custe deixar-te entrar nesse estado… está bem. Mas tem cuidado.
-Sim…
Marta empurra a porta com os nozes dos dedos até ficar completamente aberta. Entra devagar de braços atirados para a frente, semiabertos, como se entrasse num quarto sem luz. Não sente nada! Entra até meio do escritório e pára. Olha em volta e vê algo que a faz dar um grito que é abafado pelas suas próprias mãos:
- Marta! É melhor ires embora. Não é nada bonito de se ver. Vais ficar toda embaralhada e tirar conclusões erradas.
- Não! Tem que ser. – Diz marta inspirando profundamente.
Mónica jazia no chão com o cabelo ainda mais vermelho que o costume. Estava de barriga para cima de braços abertos e os joelhos virados par ao lado direito. Parecia que tinha sido atropelada. Mas não! Mónica tinha sido abalroada não por uma veiculo, mas por algo muito cortante. Tinha um golpe profundíssimo que ia desde a testa do lado direito até ao ombro do lado esquerdo e um outro golpe vertical no abdómen apanhado toda a zona do estômago. A força empregue tinha sido brutal. Marta olhava atentamente para Mónica fazendo um esforço para afastar a imagem grotesca. Era muito difícil e o cheio a sangue quase a fazia vomitar. Fecha os olhos e volta a inspirar fundo.
Ao abrir novamente os olhos, estes caiem directamente em cima de qualquer coisa que está na mão direita de Mónica. Meio escondido por causa do sangue… mas estava ali qualquer coisa:
- Francisco. Está ali qualquer coisa.
- Deixa ver… não sentes nada em volta?
- Não! Isto está frio. Como se não tivesse acontecido nada.
- Eu não devia fazer isto… mas que se lixe. Toma! É um bocado de fio de couro o que estava na mão da Mónica.
Marta abre a mão direita para receber aquele bocado de quase nada. Fecha a mão com força até os nozes dos dedos ficarem brancas. Nesse mesmo momento Marta abre os braços, ficando tensa como se tivesse sido trespassada por uma espada. Respira ofegante. 5 segundos depois o corpo desfalece, aparada por Francisco:
- Então? Alguma coisa?
Marta queria falar e mal conseguia. Larga o pedaço de couro ensopado, ficando um risco de sangue na mão. Depois de alguma tentativas de se recompor, Marta finalmente faz menção de se levantar. Apoiada por Francisco, aponta para o telefone:
- Ali! Mónica esteve a falar com alguém ao telefone.
Francisco corre para o telefone e carrega no botão do remarcador:
- Porra! Está no zero. O gajo foi cuidadoso.
-Não faz mal. Faz-se um "print" da central. Tens de onde para onde, a que horas e quanto tempo.
- BOA! João! Trata já disso.
- Sim senhor! É já!... Alguém sabe-me dizer... - A vóz do agente João desparece para o exterior.
- E que mais Marta?
- Aquele fio era um bocado do um colar que Mónica trazia sempre ao pescoço. Um banco. E gavetas. Grandes Gavetas. Há qualquer coisa escondida num banco onde se alugam cofres.
- Isso é muito importante. MAS ESPERA LÁ!... Tu queres ver que o dossier "Migalhas" está relacionado com estas mortes todas? Mónica estava como suspeita. Se não, porque Joana foi morta daquela maneira? Até me está a começar a doer a cabeça. E o que Pedro tem haver com isto?...
- Vi Pedro a sair algemado.
- Fui eu que o mandei prender para averiguações.
- CHEFE! ESTÁ AQUI! – diz o agente João com um papel triunfante na mão.
- Deixa cá ver!!! AHÁ! Aqui está! Marta olha! Belos sistema que vocês têm aqui. Vamos lá ver para onde é e com quem estava a falar – diz Francisco tirando o telemóvel do bolso.
Todos estavam pendurados na expectativa:
- Estou? Boa tarde. Daqui fala inspector Francisco da Policia Judiciária. Com tenho o prazer de estar a falar? Cristina… Silva. Sim!? A sua amiga Mónica… estava a falar com ela… e caiu a chamada… ouviu um barulho. E já participou à polícia? Ainda não. Pois! Ficou sem saber o que fazer. Compreendo. SIM! Antes de falar o que sucedeu… diga-me, falava de que assunto com Mónica?... Eu sei que é particular mas isto é um caso de via ou de morte!... Muito grave mesmo!... E de certeza eu não pretende ser implicada no caso…. Sim? E Então? … … … Muito bem. Foi uma grande ajuda. Mantenha-se em casa de porta fechada à chave. Não abra a aporta a ninguém até chegar a PSP. Onde mora exactamente?... Sim!... Exacto. Obrigado! – desliga - João toma esta morada! Trata disso.
Marta estava de boca aberta:
- Muito bem. Vamos embora daqui. Deixemos os forenses tratar do resto. Adivinha para onde vamos?
- SEI LÁ! TÁS PARVO?
- Parece que Mónica disse à amiga que ia de férias para o resto da vida, em breve, porque ia ganhar um euro-milhões de uma gaveta que ficava pertinho da casa desta sua amiga.
- Mal ela sabia como estava certa. – disse Marta, cabisbaixa.
- João! Já que estás com a PSP ao telefone, faz o que for preciso para colocares agentes, nem que seja o exército, em cada banco que tiver cofres para alugar perto dessa morada que te dei.
- Que está a pensar chefe? Acha que o "Migalhas" e o "Colarinhos" estão ligados? – falava o Agente João enquanto marcava números no telemóvel.
- Estou a ficar com impressão que há aqui uma coisa bem mais pérfida do que se pode estar à espera. As peças do puzzle são. Maria da Conceição, dinheiro roubado, Serial Killer… César e Bernardo. Falta saber como estão ligados.
- HEM? – disse Marta arregalando os olhos. – César? Bernardo?
- Hã!? NADA, NADA! Esta a pensar alto. Deixa lá!... Marta. Vou-te deixar em casa. Deves estar cansada. João! Quero uma agente EM CASA com Marta.
- Sim chefe!... Mas eu posso…
- JOÃO!!!
- Desculpe chefe.
- Francisco? E Pedro? O que é que… - disse Marta quase desfalecendo de exaustão.
- Agora vais para casa, tomar banho e dormir. O Pedro…. Vou ter uma conversa com ele agora.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Capítulo XXXI

"Sim?"
"Bernardo? Quando vamos estar juntos?" questiona uma voz feminina do outro lado da linha.
"Quando? Tu já não te lembras do combinado? Tem calma, em breve estará tudo pronto para vires ter comigo!"
"Não Bernardo, estou farta! Estou-me a passar, sinto saudades tuas, não vejo a hora de estarmos finalmente juntos com todo aquele dinheiro! Vamos viver à grande até ao fim das nossas vidas!"
"Vamos? Vamos se fizeres o combinado, e agora tens é que te acalmar para ninguém desconfiar!"
"Calma?? Tu pedes-me calma?? Sabes, o cabrão do teu amigo Pedro gravou a nossa última conversa num pequeno gravador! E sabes o que fez depois? Mostrou a gravação à Marta! Sabes o que é isso significa? Estamos na merda a não ser que eu consiga por a mão naquele gravador!"
"O quê??? Tu deixaste que eles gravassem a nossa conversa?? És uma burra de merda! Tu sabes o que é que acabaste de fazer?? Sabes?? Foda-se! Tu és burra como à merda!"
"Desculpa meu lindo... estava muito excitada com a situação e..."
"Excitada??? Tu cala-te!! Vais encontrar aquele gravador custe o que custar! E rapidamente!"
"Mas como?? Não sei como o em..."
"Desenrasca-te porra!"

Bernardo desliga o telemóvel e continua a beber o seu Cocktail numa explanada bem longe da acção principal. Pensava agora na questão do gravador. Estava perturbado pois era algo que podia comprometer todo o esquema. Aquela burra... Num reflexo, abre a sua mala de mão de onde retira uma caixa de telemóvel a estrear. Rasga toda a embalagem e insere no telemóvel um SIM Card que vinha guardado dentro de um pequeno envelope. De seguida começa a marcar um número que mantém guardado na sua memória.


"Estou?"
"Parabéns, fizeste um excelente trabalho." responde Bernardo.
"Trabalho? Faço isto apenas com um objectivo..."
"Sim, o dinheiro claro!! Como te sentes?" pergunta Bernardo interrompendo.
"Vivo. A Marta continua longe do escritório o que dará toda a liberdade à Verónica para realizar as transferências. A PJ nem sonha, as provas que plantei foram cirúrgicas. Eles só não acusam imediatamente o Pedro porque temos um esquizofrénico apaixonado por Clara, um tal de César a cavar a sua própria sepultura."
"César?"
"Sim. Um peão num jogo de xadrez. Deixei-o descobrir as fotos da miúda e a PJ está confusa, não vão conseguir chegar a nenhuma conclusão e em breve este caso irá parar a uma gaveta bem funda." responde com tranquilidade ao mesmo tempo que observa uma foto assente na palma da sua mão.
"As fotos da pequena? Não era suposto ser a PJ a descobri-las? Tu faz tudo conforme o plano ou não vês um chavo ouviste?" diz Bernardo mudando o tom de voz e carregando nas sílabas de cada palavra.
"Descansa pois sei o que estou a fazer. César veio mesmo a calhar para baralhar toda a investigação."
"Ouve. Em relação ao nosso outro problema, a Verónica."
"Sim. A Verónica, sim. Tratarei dela para a semana como planeado, mas ainda precisamos dela pois só no último dia fará a transferência dos 90% de capital, e como sabes, apenas ela e a Marta sabem o código."
"Ouve-me bem, tu ouve-me bem. A estúpida da Verónica deixou que o Pedro e a Marta gravassem uma conversa que pode comprometer todo o nosso plano! Este factor pode deitar tudo a baixo!! Eu não quero passar o resto da minha vida atrás das grades a levar no cú!! Quero que resolvas também este assunto! Encontra-me esse gravador e elimina-o."
"OK. Considera-o feito. Tratarei disso muito em breve, e com especial atenção..."
"Breve? Não temos tanto tempo... Tens que tratar disso é já e pôr as mãos naquele gravador! E a Verónica tem que desaparecer mais cedo do que previsto. Faz o que tens a fazer..."
"Mas... mas ainda precisamos dela."
"Claro! Precisamos que ela faça a transferência, ela tem os códigos!! Ou queres ir perguntar o código à Marta?? Depois disso é tratares da Verónica como planeado, como toda a gente sabe, os acidentes acontecem."
"Sim. Não contava é que fosse tão cedo. Tinha pensado no dia 24."
"Isso é muito tarde... Precisamos de antecipar as coisas!"
"Vou ver o que posso fazer." responde com apreensão.
"É verdade, li aqui uma notícia de uma inspectora morta? Tu por acaso tiveste alguma coisa a ver com o que se passou??"
"Bonita mulher, muito requintada e com um cabelo de anjo. Ao que parece, deu luta a pequena, mas acabou por sucumbir. Não Bernardo, não fui eu."
"Por momentos pensei que tivesses sido tu, sabes?. Se lhe apanhas o gosto ainda começas a competir com os Serial Killers de Hollywood, Haha" diz sorrindo para o empregado de mesa que lhe traz mais um Cocktail.
"Hollywood? Eu não vivo nos filmes, sou real e por tal vivo na realidade."
"Em breve teremos os dois aquilo que tanto ambicionámos, tu e eu! Os milhões!"
"Os milhões Bernardo? Falas-me em milhões quando em ainda não vi um tostão. Contacta-me em dois dias." o telemóvel é desligado na cara de Bernardo.

Um peão num jogo de Xadrez, e tantos peões tem um tabuleiro de Xadrez... Bernardo pensa com os seus botões enquanto afunda as costas na cadeira da explanada, desfrutando em pleno da fabulosa paisagem. Os raios de sol que o atingem na face provocam-lhe expressões de conforto e serenidade. No entanto, nenhuma expressão humana conseguiria naquele momento esconder o nervosismo expresso nos seus olhos.

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Capítulo XXX

Francisco sentiu-se tonto. Estava a afogar-se em raiva, em dor, em impotência. Sentado na beira da cama, teve de se apoiar com uma das mãos. Na outra mão continuava o telemóvel a chamada não havia sido terminada. O nome de Joana estava no visor.

De um salto, Francisco levantou-se. Dentro da sua cabeça a consciência dizia-lhe que tinha de se concentrar, que tinha de ser racional, que tinha de ligar a Marta. Este telefonema fazia todo o sentido. Afinal de contas tinha de informar Marta imediatamente. A verdade, contudo, é que precisava de contar a alguém o que tinha acontecido e precisava de procurar o conforto na voz de alguém...

- Marta? - Disse Francisco logo que aquela atendeu - Preciso de ti. Prepara-te que vou passar na tua casa daqui a uns trinta minutos para te apanhar.

Marta já sabia que o inevitável acontecera. Um telefonema de Francisco àquela hora não podia significar outra coisa. Mas notou a voz do Inspector diferente:

- Com certeza Francisco. Vou preparar-me num instante... Aconteceu, não foi?

- Sim... - disse Francisco. Tinha intenção de lhe dizer que tinha sido Joana. Mas achou melhor não. - Até já...


Marta tomou um duche rápido. Enquanto o fez não conseguiu desviar o olhar do apoio da cabeça da sua banheira. Imaginava-se ali, morta. O coração batia depressa. Pensava numa cara desconhecida. Numa pobre mulher que tinha tido o azar de ser a escolhida pelo assassino. Um sentimento de pena invadiu-a.

Preparou-se rapidamente. Foi até à varanda esperar Francisco. O ar quente daquela noite de verão deu-lhe algum bem estar.

Francisco seguia no carro como se fosse um autómato. Na sua face não se produzia nenhuma expressão. A contrastar, no seu interior, o cérebro produzia hipóteses, o coração cavalgava, os intestinos embrulhavam-se.
Parou o carro em frente à casa de Marta. Não teve de esperar mais de um minuto. Esta entrou no carro e notou no rosto de Francisco aquilo que já havia notado na voz. Um inspector mais abalado do que esperaria com uma morte.
- Olá Francisco. Vamos lá caçá-lo? - disse por entre um sorriso forçado para ver se o animava. Este esboçou um sorriso que de tão leve quase não se notou.
- Vamos...
Ainda que percebesse que algo estava errado Marta optou por respeitar o silêncio do inspector. Por sua vez Francisco tentava escolher o timing certo para dizer a Marta quem tinha morrido. Como o silêncio se prolongava na viagem nocturna Marta ligou instintivamente o rádio do carro. Naquele momento passava publicidade. Marta escolheu outra estação. Ao ouvirem o jingle da rádio entreolharam-se. Era a rádio onde César trabalhava.
O destino da viagem era relativamente curto pelo que logo chegaram ao prédio onde Joana vivia. Francisco achou que aquela era a hora de contar a Marta. Antes de começar a falar, no entanto, foi a voz de Marta que se ouviu.
- Francisco... Como sabes que é aqui? Onde estão os teus colaboradores? Fomos os primeiros a chegar...
- Marta - atalhou Francisco - Anda... Vamos subir...
- Sim mas... Não esperamos por ninguém?
A resposta de Francisco ficou por dar. Desligou o carro no momento em que na rádio se começava a ouvir Estrela do Mar de Jorge Palma. Entraram no prédio, cuja porta estava apenas encostada, e dirigiram-se para o elevador. Entraram e Francisco carregou no 3º andar.
Tudo isto pareceu muito estranho a Marta. Porque não estava mais ninguém ali. Como sabia Francisco o andar? Porque lhe parecia que Francisco tomara aqueles passos como se já o tivesse feito antes? Enquanto estas dúvidas a assaltavam Marta reparou que o inspector estava virado para a porta do elevador, o olhar lá longe... os olhos marejados.
Saíram do elevador e Marta colocou-se atrás de Francisco. Ele dirigia-se a compasso para a porta que estava entreaberta, ao fundo do lado esquerdo.
- Não pegas na tua arma? E se ele ainda estiver lá? - Marta sussurrava escondendo-se atrás do inspector. Mais uma vez este permaneceu em silêncio.
Ao chegar à porta Francisco ia empurrá-la para entrar mas estacou. A mão, aberta, parou a poucos centímetros. Voltou-se para Marta e disse:
- Tens de entrar tu à frente. Temos de aproveitar o facto de ninguém ter estado aqui depois da morte.
- Mas... E se está alguém lá dentro?
- Não te preocupes... Infelizmente a única pessoa que está lá dentro não nos pode fazer mal algum... Confia em mim - Acrescentou Francisco ao ver o ar assustado e pouco convencido de Marta. - Tenta fazer o que havias feito em casa de Clara... Aquilo das rotinas...
Marta assentiu com um aceno de cabeça e colocou a mão na maçaneta da porta. Sentiu uma falta de ar repentina. Ela conhecia a mão que viu no lugar da sua. Era uma mão de mulher.
Entrou no apartamento para um pequeno hall e o perfume suave que pairava no ar fez com que falasse: - A inspectora Joana já chegou cá!
- Disse-o com algum alívio. Francisco, que havia atrás dela e observava o local e as reacções de Marta não respondeu.
Marta ouvia a música do Jorge Palma na cabeça. Estranhou. Não era música que gostasse por aí além. À medida que se deslocava na casa mergulhada numa escuridão quase completa a música aumentava de intensidade. Parou junto a uma porta e abriu-a. Mesmo não sabendo onde ficavam os interruptores Marta conseguiu acender a luz. Era um quarto. A cama estava desfeita e havia duas almofadas utilizadas e jogadas ao acaso sobre os lençóis. O pormenor que mais inquietou Marta era, no entanto, outro. O rádio-despertador estava ligado. A rádio era a mesma. A música também. Estava agora a terminar.
Marta apressou-se para desligar o despertador. Assim que lhe tocou deu um salto para trás e um grito grave. No lugar da sua via uma mão de homem. Afastou-se assustada. Segurando contra o peito a mão que se havia transformado por instantes.
Francisco assistia a tudo espantado. Também achara muito estranho o pormenor da sintonia do despertador. Ou, se calhar, não era assim tão estranho...
- A cama... - disse Francisco.
Marta ouviu-o ao longe mas percebeu. Dirigiu as suas mãos para a cama. Logo que tocou nos lençóis o ambiente do quarto mudou à sua volta. A luz estava mais suave, a música de fundo era outra mas não identificável. Na cama Marta via as mãos de homem que vira antes a percorrer um corpo feminino nu. As mãos de mulher que ela reconhecera percorriam um corpo nu masculino. Havia muito contacto. Via beijos. Via suor. Ouvia gemidos de prazer. Não tinha dúvidas de que aquelas duas pessoas tinham vividos uns momentos escaldantes. Marta sentia-se uma voyeur.
Marta corou ao olhar para Francisco. Encontrou dificuldades em explicar-lhe o que vira. A Reacção do inspector foi de estranheza.
Francisco não sabia que Joana andava a ver alguém pelo que a pergunta lhe saiu quase de imediato - Pareceu-te consentido?
- Sim... - Disse Marta que estava de novo absorvida pelo percurso que interrompera. Os seus passos foram na direcção da porta e seguiram pelo corredor até à porta seguinte. Francisco apressou-se atrás dela pensando se não seria melhor prepará-la para o que ia ver. Francisco conhecia o apartamento da sua colega de trabalho e sabia que por trás daquela porta ficava a casa-de-banho.
A dúvida na sua cabeça prolongou-se por tempo demasiado. Marta já abrira a porta. A luz estava acesa.
Ao chegar à ombreira Francisco preparou-se para ver a sua amiga morta. E esperou a reacção de Marta. Estranhamente Marta não disse nem fez nada. Parecia um sonâmbulo a caminhar em direcção à banheira. Estava tão absorvida que talvez não tivesse visto o rosto de Joana.
Marta aninhou-se ao lado da banheira e tocou no corpo. De novo as mãos do homem a acariciar o corpo da mulher ainda com vida. De novo as mãos da mulher a acariciar as mãos do homem.
Francisco assistia àquela cena em silêncio. Tinha de suportar a dor de ver Joana morta para não assustar Marta.
De repente as mãos de Marta deslizaram do ventre, pelos seios, para o pescoço. Começou a apertar e a empurrar o corpo para dentro de água. Francisco percebeu que ela estava a tomar o lugar do assassino. No rosto de Marta um sorriso assustador formou-se. Francisco agiu de impulso e correu para Marta puxando-lhe os braços para que ela largasse o pescoço de Joana. Nesse instante Marta recuperou a consciência e, ao ver o rosto de Joana, gritou e jogou-se para trás, não tendo caído porque Francisco a segurava.
Aterrorizada afastou o olhar daquela cena macabra e procurou refúgio nos braços do inspector. - Porque não me disseste? - Gritou Marta por entre soluços e lágrimas. Francisco também chorava. Finalmente podia soltar a sua dor. Ele não foi capaz de responder à pergunta de Marta mas não precisava. Esta percebia a necessidade de ser deixada às escuras.
Ficaram ali alguns momentos a chorar. Agarrados. Finalmente Francisco falou. - Vou ligar para a sede. - Disse após uma longa e profunda golfada de ar. - Quero aqui gente a tratar todos os centímetros quadrados. Tenho de apanhar este animal.
Marta estava parada no corredor enquanto Francisco ligava. A música continuava a ouvir-se no quarto. Furiosa dirigiu-se para lá. Ia decidida a desligar o despertador. A sua mão direita, de indicador em riste, tocou no off mas o que Marta viu foi a mão esquerda do homem a carregar no on. Depois olhou para o lado e viu, na outra mesinha de cabeceira, o telemóvel. Deslocou-se para lá e a mão esquerda pegou no aparelho, procurou o número de Francisco e ligou. Marta correu para Francisco. Queria ajudar e achava que tinha ali uma informação importante.
- FRANCISCO! Ele é canhoto... Depois de matar a Joana ligou o rádio e ligou para ti...
- Ligou o rádio antes de me telefonar?... Isso parece-me interessante! - Desabafou o inspector com um ar pensativo.

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Capitulo XXIX

- Porque é que ela está sempre a desmaiar? Já da outra vez que vim a esta casa encontrei-a estatelada no chão.
- Essa, senhor César, é uma excelente pergunta. – diz Francisco – Estás melhor, Marta?


Marta tinha ficado inconsciente apenas por momentos, agora estava sentada no sofá com a cabeça entre as mãos tentando regressar ao seu estado normal, fosse lá o que isso fosse naqueles dias. Precisava revelar tudo o que sentiu e viu a Francisco mas não o podia fazer com César à beira. Marta tentava perceber se era a casa, a presença de César, a presença de César na casa, nenhuma destas coisas, todas estas coisas. Certo era que havia ali algo que fazia com a sua PES entrasse num estado muito activo, um estado para o qual ela ainda não se sentia preparada. Levanta a cabeça e olha para Francisco dando-lhe a entender que precisa de falar com ele rapidamente.


- Sr. César, o senhor vai sair desta casa e amanha de manhã vai apresentar-se na judiciária para ser novamente interrogado.
- Como? A propósito de quê? – Pergunta César.
- A proposito de ter invadido a cena de um crime, de seguirmos essa história fantástica das SMS’s que diz receber e porque se o Sr. César quer tanto encontrar o criminoso como diz querer é do seu melhor interesse ajudar a PJ.


Mal Marta teve a certeza que César tinha saído e não os estava a espionar começou a falar como se não houvesse amanhã.


- Vocês não ouviram o grito, pois não? – Francisco confirma – Esta casa, este crime, tudo o que se passou aqui… eu sinto de maneira diferente, quer dizer, não sei se diferente é a palavra certa. É como se aqui todas as sensações fossem carregadas de uma conotação muito mais forte, mais carregada. O assassinato de Clara foi diferente… houve uma envolvência muito maior e isso eu acho que faz com que eu tenha uma… sei lá… como se aqui houvesse uma frequência de rádio mais clara.
- E o que viste desta vez? Conseguiste ver melhor o assassinato de Clara?


Marta olha para Francisco a medo, como se lhe fosse dizer a coisa mais absurda que podia dizer – Aí é que está Francisco… eu acho… eu tenho quase a certeza que não vi nenhum dos assassinatos que já aconteceram… eu vi um assassinato que ainda vai acontecer.
- Como assim? Uma visão do futuro? – Perguntou Francisco que reagiu com aparente tranquilidade ao que Marta lhe dizia.
- Não, eu não senti como visão do futuro, era como se eu tivesse entrado na cabeça do assassino e pensasse o que ele estava a pensar. Francisco ele vai matar e já escolheu quem vai matar, ele estava a pensar, a planear, saborear, o acto que vai cometer. Ele vai matar e vai ser amanhã Francisco, não tenho dúvidas disso, dia 24 de Julho.
- Marta preciso que te concentres, havia algo na visão que desse para ajudar a identificar o lugar, a casa, a pessoa?


Finalmente atingiu Marta, ela tinha visto a morte de uma pessoa que neste momento vivia a sua vida inocentemente sem ter consciencia que havia alguem algures que a tinha escolhido como vitima. Marta tentou com todas as suas forças perceber uma distinção na casa, uma carta num móvel, uma visão da paisagem na janela, qualquer coisa que se pudesse agarrar… se ao menos tivesse conseguido ver a pessoa, nada… não havia nada. Ela sentia que estava em seu poder salvar aquela pessoa e ia falhar, Marta já sentia a energia da morte presente. Apenas havia uma sensação mas nada que a ajudasse a identifcar quem era a mulher.


- Francisco eu sinto uma vibração também diferente neste assassinato, nada que se pareça com o de Clara, mas como se neste caso o assassino tivesse um motivo extra para matar aquela pessoa, lhe desse um gozo especial… que vamos fazer?
- Com relação à tua “visão”, a única coisa que podemos fazer… esperar.

--- ---

Depois de jantarem, Francisco levou Marta para casa e praticamente ordenou-lhe que descansasse. Nem tinham dado pelo tempo a passar e quando sairam da casa de Clara já passava das 19h, Francisco decidiu portanto seguir o seu proprio conselho e depois de um merecido banho, colocou o DVD de Nip/Tuck para tentar distrair-se com um episódio. Depois de ter desanuviado, sentou-se a rever as suas notas e a pensar em tudo o que tinha acontecido durante o dia de hoje. A casa de Clara aparentemente permitiu a Marta ligar-se ao pensamento do assassino mas Francisco não podia descartar o facto de César estar presente no momento. Ele era um dos suspeitos e a proximidade dele poderia ter permitido a Marta sentir o que ele estava a planear fazer. Mas isto tudo eram conjucturas e, ainda que não acreditasse nessa hipotese, poderia não ocorrer nenhum assassinato durante o dia de amanhã. E se acontecesse, por mais que lhe custasse, não havia nada que pudesse fazer para o impedir.


O seu telemóvel tocou perto das duas da manhã, tinha-se deitado não fazia muito tempo e ainda não tinha adormecido. Era a Inspectora Joana, institivamente soube qual era o tema do telefonema, embora ao mesmo tempo pensasse que ainda era cedo para que o assassinato tivesse sido cometido e o corpo descoberto. Mesmo assim atendeu o telemóvel à espera da noticia de uma nova morte.


- Diga Joana - Do outro lado não obteve resposta – Inspectora Joana? – Ouve em som de fundo o som de água a correr no chuveiro – JOANA?­ – Ouve agora o som de passos a afastarem-se.


- Meu Deus!


As palavras de Marta ecoavam na cabeça de Francisco, “como se neste caso o assassino tivesse um motivo extra para matar aquela pessoa, lhe desse um gozo especial”.

sábado, 15 de setembro de 2007

Regresso e... resumo

Caríssimos leitores, após uma paragem para as mais que merecidas férias eis-nos de volta.

Quanto ao conto propriamente dito podem esperar por desenvolvimentos nos próximos dias. Por agora fica aqui um resumo do que aconteceu até agora:

Marta é uma jovem mulher que se vê envolvida numa história de assassínios e corrupção de um momento para outro. Ela trabalha numa associação de micro-crédito, presidida por Bernardo (que se envolve em negócios pouco claros e foge do país). Bernardo apresenta-a a Pedro, um jovem advogado que trabalha com a Polícia Judiciária.
Pedro cria, em conjunto com Bernardo, uma história para testar as capacidades extra-sensoriais de Marta. Como esse teste foi bem sucedido Pedro leva Marta até à Polícia Judiciária e apresenta-a ao inspector Francisco.
Francisco é um homem bem-humorado que integra Marta na investigação de uma série de assassinatos. Marta é confrontada com uma capacidade que desconhecia e que ainda não controla.
A série de assassinatos tem um novo episódio com a morte de Clara, uma animadora da rádio que Marta ouvia todas as manhãs a caminho do emprego. Clara era casada com Pedro (em processo de separação), o advogado que apresentou Marta à Polícia Judiciária, e mãe da pequena Sara.
A investigação da morte de Clara leva a PJ a interrogar duas pessoas muito próximas da vítima: César, colega de trabalho de Clara na rádio e Diogo, irmão gémeo de Pedro, psicólogo.
César nutre uma paixão obsessiva por Clara. Quando sabe da morte da sua amada inicia uma busca ao assassino. César começa a receber mensagens no telemóvel enviadas pelo assassino de Clara.
Diogo é confidente de Clara. Após a morte de Clara viaja para a Suíça...
Pedro afasta-se da investigação para poder descansar e estar com a sua filha. Também ele sai do país.
Entretanto Marta começa a detectar um padrão nas mortes. Adivinha-se uma morte nos próximos dias...

sexta-feira, 20 de julho de 2007

Capítulo XXVIII

Depois de vaguear horas e horas pelas ruas frias de Lisboa, César entra em sua casa.
Vindo de dentro, o cheiro a vazio incomodava-o. Desejava ser recebido calorosamente por alguém nem que fosse por uma só vez.
Em casa a imagem de Clara continuava a assombrar aquelas paredes. Continuava a sentir o seu cheiro e por momentos chegava a vê-la ali consigo quase que lhe podia tocar mas seus dedos logo percebiam que ali só continuava o vazio.
A ideia de que Clara e Diogo fossem amantes e que pudessem ter uma filha queimava seu peito.
A mulher que tanto amava passara a ser uma estranha a seus olhos.
Bip Bip!
Seu telemóvel toca, novamente as sms misteriosas.

-Procura as respostas hoje na casa da Clara às 14h

César assustado pousou o telemóvel, seu coração batia a mil mas a curiosidade foi mais forte.
Na hora marcada César já esperava no local. Apenas o som da sua respiração o acompanhava.
Aquela casa causava-lhe arrepios mas ao mesmo tempo sentia uma forte ligação pois tinha sido ali que sua Clara tinha vivido e ainda lhe conseguia sentir o cheiro.
Esperou durante largos minutos que lhe pareceram horas devido ao nervosismo miudinho que sentia, até que o som da porta o distraiu.
O apartamento de Clara ecoava medo e da porta surge um vulto.


-Que fazes aqui?

Na porta entreaberta estava Mesquita, seguido de Marta confusa com o que se estava a passar.
César gaguejando com o atrapalhamento natural de uma situação daquelas disse que estava ali por causa das sms anónimas que vinha a receber desde a morte de Clara.

-Mas achas que somos otários!
O assassino volta sempre ao local do crime e essas sms que dizes receber... nós estivemos a investigar na rede e não se confirma a veracidade dessas sms, aliás, encontramos vários sms reenviados para o teu número se é que me faço entender...

César não podes fugir, diz-nos a verdade.

Do outro lado da casa de súbito se ouviu um grito que logo espalhou silêncio por toda a casa.
Marta logo se apressou a correr até ao quarto onde se tinha sentido o barulho, era nem mais nem menos que a casa de banho onde Clara morrera.
Marta entrou e seu peito foi invadido por sentimentos confusos e sentia muita dor. Sentia-se tonta e sufocada por uma angústia que não percebia, desesperada tenta agarrar-se a algo para equilibrar o seu corpo cambaleante mas não conseguiu, desmaiou naquele chão maldito.
Mesquita e César logo se apressaram a ir ao encontro dela mas nada mais encontraram que Marta estendida no chão.
Olharam um para o outro esperando que alguma explicação racional sobre o que estavam a ver pudesse surgir, mas nem um suspiro se ouviu naquela casa de silêncios.
Marta estava de novo inconsciente aquele lugar era como um travo amargo para ela.
Mas o que será que Marta viu??
...

quinta-feira, 5 de julho de 2007

Capítulo XXVII

… Demasiado cansada. Inspirou fundo. Sentiu náuseas. Um cheiro conhecido de há 40 minutos entrou e bateu-lhe no cérebro como um martelo.
- Que horror! Ainda cheiro àquilo! Banho. Preciso de um banho. E esta roupa toda também.
Marta dirige-se à casa de banho. Tira a roupa como se estivesse cheia de formigas e coloca-a da parte de fora da porta. Abre a torneira e ajeita o chuveiro:
- Não! Hoje … preciso de relaxar. No emprego está uma barafunda por causa daquela treta da máfia. Tratar da casa. Tratar dos assuntos dos outros. Ajudar a polícia. Este dossier malfadado…. Também preciso de tratar de mim. - pensou.
Coloca a tampa no ralo e o tapete de borracha no fundo da banheira e senta-se na beira do bidé olhando para a turbulência da água a cair.
Os seus pensamentos voam por minutos. Lembra-se do Mesquita e das suas piadas. “ Voa patinho…” . Sorriu. Percorre mentalmente todos o factos procurando omissões. Experimenta a temperatura. Fecha a torneira e com satisfação entra na água devagar, saboreando cada centímetro. Mergulha completamente voltando novamente à superfície, passados alguns segundos, ao mesmo tempo que puxa para trás seu cabelo. Deixa-se estar só com a cabeça de fora. Vai respirando devagar procurando relaxar. A água subia e descia, qual maré, acompanhado a respiração. Suas mãos sobem desde as ancas, passando pelo abdómen até à zona mamária inferior. As duas mãos acariciam o contorno suave de cada mama, subindo, depois, pelo externo, ficando com as mão cruzadas em cima de cada clavícula oponente.
Ouve um barulho. A porta começa a abrir-se devagar. Seu coração começa a acelerar. Sente um nó na garganta. Não sabe o que fazer. Lembra-se de gritar, mas uma orelha e uma pata branca denunciam o invasor:
- Becas! Seu doido!
- Miau!
- respondeu sentando-se olhando para a dona com uma ar curioso.
Precisava mesmo relaxar. Fecha os olhos. Várias imagens surgem. Imagens que já lá existiam. Coisas que já tinha visto. Relembra o que viu há poucos minutos. Aquele boné. Podia ser uma pista.
- Tenho que ir aos locais.!
Abre os olhos e olha para fora da banheira. Tenho que ensinar o Becas a trazer o telefone.!
Pega no champô. Esquece! Fica para amanhã! Hoje é a minha vez!

--//--

- Pois é, Pedro! Não adiantamos nada!
- NADA?
- Nada! Ainda ontem jantei com Marta… - … jantar? … - … sim jantar, e ela, coitada ainda passou um mau bocado.
- Mas, Mesquita, nem uma porra de uma pista?
- Nem uma!… - diz num tom impotente.

O telefone da mesa gritou.
- Xiça! Tenho que baixar o som disto. – Estou?... Sim! Pode passar…. É Marta! – disse com a mão no micro. Pedro levantou-se e ficou alerta com ambas mãos em cima da secretária. Mesquita levanta a mão com o dedo indicador apontando para o tecto quando sentiu que Marta já estava do outro lado. - Estou? Marta?... Bom dia! Estás melhor?... Logo vi que sim! Mas diz-me lá porque me telefonas logo de manhã. Tens alguma coisa para mim?... Sim!... Hum-hum… - Mesquita ouviu por 1 minuto interrompendo somente com sim’s e hum-hum’s. Pedro mexia-se como um Tigre numa jaula, de um lado para o outro sem parar. Mas ela já viu alguma coisa? - Sim Marta. Fazemos assim. Vou buscá-la. Certo? Estou aí em 15 minutos. - desliga.
- Homem! Fala comigo! Estou quase a rebentar.
- Pedro. Vai para casa. Depois falamos.
- Para casa? Onde vais?
- Eu vou aonde tu não podes ir. Por isso casa!
- Eu também vou. Ela descobriu alguma coisa, não foi?
- Depois digo-te. Marta o que precisa menos agora é tipos a deitar fumo como tu. CASA!
- OK! OK! Está bem! Já percebi! É gira não é?
- Olha lá! Ainda tens a esposa morna e já andas de garras de fora? Qu’é essa merda?
- Eu já não estava com Clara há mais de meio ano. E já tive outras aventuras entretanto.
- Vá! Vai lá para casa. Quando é que cresces pá!? Desde a 4ª classe que és a mesma coisa.


--//--

- Então Marta!? Conta-me… e por cada senhor, passo-te uma multa.
- Bem! Preciso ir aos locais onde se deram estes crimes.
- TODOS?
- Não! Para já acho que não! Estava a pensar ir ao sítio onde houve maior tensão. O 3º.
- É uma boa ideia. Vamos lá então! Já vim prevenido. Trouxe as chaves!
– disse mostrando um chaveiro apinhado.
A casa ficava no centro de Oeiras. Num prédio que de novo tinha muito pouco, mas estava bem cuidado.
Mesquita vai na frente. Sobe as escadas, escolhendo a chave certa. Chegando, abre a respectiva porta
- Mesquita? Uma pergunta parva. Repararam que as mortes foram sempre a 4ª terça-feira do mês?
- Como?
- Sim! Como está no dossier, 4 em 4 meses, mortas sempre da mesma maneira, MAS… sempre na 4ª terça-feira do mês.
- Bem! Já tinha reparado que era sempre numa 3ª feira, mas na 4ª do mês… sinceramente, não! Escapou-nos. Mas é assim tão relevante?
- Pode ser. Não sei. Mas uma coisa sei. O prazo está a terminar!
- Sim! Dia 24 de Julho… eu sei! Temos que nos mexer ou então… bom! Anda entra. Está aberta. Abrem-me bem esses olhos. Os objectos ajudaram?
- Sim. A toalha da dona desta casa deu um resultado mais ou menos o mesmo que dos outros objectos. Mas acho que aqui deve haver mais qualquer coisa.
- Eu fico aqui de lado. Deixa-me fechar a porta.

Marta acena com a cabeça afirmativamente sem tirar os olhos daquilo que lhe parecia a porta da casa de banho. Avança devagar. Com a ponta dos dedos da mão direita empurra porta, como se estivesse a escaldar, até estar completamente aberta. Sentiu um arrepio. Dá o primeiro passo. Inspira profundamente. Avança os braços como se deambulasse numa noite escura. Dobrasse indo tocar da cortina, rasgada, da banheira que está no chão. 3 flashes seguidos. Já os tinha visto. Nada demais. Toca nas paredes. Dizem-lhe pouco. Como se as imagens estivessem cansadas de dizer o mesmo.
Marta baixa os braços frustrada. Novo arrepio. Marta esfrega o braço esquerdo. Quando se volta, como se procurando algo, os olhos batem no espelho do lavatório. Algo lhe diz que é importante. Na da primeira vez, em casa de Clara, e agora outra vez. Aproxima-se. Levanta a mão esquerda e toca no espelho. Naquele mesmo momento ela vê reflectido um homem de cara tapada com um passa-montanhas preto. Boné na cabeça. Está baço. Está calor. Ouve-se a água correr. Humidade no ar. Estás em paz! - profere Marta. Começa a vocalizar uma melodia sua conhecida. Novo arrepio.
Marta deixa o espelho e sai da casa de banho. Mesquita assistiu a tudo e longe, calado. Pergunta:
- Ele mata para se sentir em paz?
- Parece que sim! Mas não sei. Há aqui qualquer coisa muito importante. Já senti isto em casa de Clara e volto a sentir aqui... - procura -não sei onde… - mulher! olha em volta - não sei - mexe em tudo. Na sanita. No porta-moedas. Em qualquer porra! Anda ! - MESQUITA! JÁ DE DISSE, NÃO SEI! Desculpa! Estou confusa. Dá-me vontade de partir qualquer coisa. Agarrar em coisas
- Marta pega no comando do DVD - e atirar com elas... - um flash fez Marta ficar tensa de olhos arregalados como se tivesse levado um tiro. Volta-se para o DVD.
- Esta casa ainda tem electricidade?
- Sim!
- Alguém abriu o DVD?
- Sim! Quer dizer, não sei! Acho que sim! Eles têm ordens para ver tudo.

Marta estende a mão e liga a televisão e de seguida o DVD.
De imediato o DVD começa a ler um disco que estava inserido. Um vídeo clip.




- Ele quer que o ajudem! Pede por socorro! - disse Marta depois de de visualizado o vídeo.
- Concordo! - diz Mesquita em tom monocórdico ainda com os olhos no ecran da televisão. Pega no telefone. - Estou ! Quando chegar quero saber porque raio é que ninguém verificou o DVD no 3º caso!... Qual caso? QUAL CASO? O CASO QUE TENHO COM A EMPREGADA DO BAR DA ESQUINA!! QUAL CASO É QUE ACHAS QUE ESTOU A FALAR?... Hã?... O quê?... Júlia?... Qual Ju… a emprega… grrrr…QUERES FAZER O FAVOR DE LEVANTAR ESSE CÚ DA CADEIRA E IR VERIFICAR SE OS DVD’S FORAM VISTOS? … e caso não se lembrem… metem os pés a caminho e … … hã?... AQUI NÃO, ESTÁ CLARO! MAS HOJE ACORDASTE PARA O LADO DA ESTUPIDEZ?... ISTO É UMA FALHA MUITO GRAVE! MEXAM-SE!
Marta olha para Mesquita atónita:
- Até eu fiquei com vontade de ir a correr para qualquer lado. Xiça! Onde está o Mesquita que conheço?
- Está visto que ainda não se levantou da cama! Bom! Resumindo. Que temos?
- Bom! Temos alguém que não bate bem da cabeça. Gosta de matar mulheres loiras de olhos verdes, que se vestem bem, em determinada data e sempre do mesmo modo Não desarruma a casa. Só tem interesse na mulher e nunca arromba portas. Podemos presumir que é sempre conhecido das vítimas. Ele segue um padrão, mas pouco nos ajuda a saber onde será a próxima vitima, ou quem. Pelo menos desta vez deixou um DVD no leitor, nos outros sítios vamos a ver.
- Estamos na mesma.
- Bem! Nem tanto. Já seguiram o rasto de cada vítima? Locais que frequentavam. Algum clube… sei lá! Algo que as ligasse.
- Não demos com nada!
- Tem que ser alguém do convívio… alguém em quem confiam… ou então frequentam um lugar onde deixam a mala acessível de modo que alguém possa fazer um molde da chave de casa.
- Meu Deus! Eu sei! E a porra do DVD nem uma dedada tem. Nada!
- suspirou Mesquita desconsolado.
- Quero ir a casa de Clara! Aquele espelho da casa de banho também deve ter algo para me dizer.
- E estás à espera de quê?? Já estás à porta do carro?

domingo, 1 de julho de 2007

Capítulo XXVI

Marta andava uma pilha de nervos nestes últimos dias. E chorava com alguma frequência. Era demasiado peso para os seus ombros pensava. Ou era o PES que parecia não evoluir, ou era o facto de toda a gente esperar o melhor dela e de ela depender para desvendar a identidade do assassino. Estava tudo uma enorme confusão na sua cabeça!!! Marta, determinada, pega no telefone. Procura na agenda um número... carrega no botãozinho verde.

-Estou! Inspector Mesquita? Daqui é a Marta. A maluquinha com "aquilo" do PES... Está tudo, mais ou menos. Olhe... OLHA... Estou com a cabeça cheia de dúvidas e confusa. Podíamos marcar um encontro? SIM?... Obrigado. Onde?... Jantar? Está bem! ... Em que lugar?... Ok! Vou ter consigo... contigo.

Em 15 minutos Marta chega de táxi ao Parque das Nações. Francisco estava á sua espera. Encostado ao seu Peugeot 307 preto, acena para Marta. A conversa logo começou.

- Conheço um óptimo restaurante, Marta.
- Ai sim Inspector.... Ainda bem, pois estou com alguma fome. Mas olhe que eu tenho gostos requintados!!!
- Mas eu pensava que você estava... com fome??!!
- Hahahaha!!! Estou a ver que requintado é o seu humor, Insp.... Francisco. Gosto disso. Ainda bem que me saiu na rifa um Inspector da Judite com bom humor. É bom para aliviar a tensão destes dias.
- Acredito que estejam a ser uns dias terríveis para si. Nunca imaginou que estaria neste momento a ajudar a "Judite" na descoberta de um Serial-Killer.
-Isso é verdade.
-Se realmente conseguir apurar a sua PES, pode bem ser a grande obreira de tal feito. É por isso que trouxe um dossier com dados relativos ás mortes das outras 3 vitimas que quero que analise muito bem. É muito importante que consiga dominar na perfeição esse seu dom, para que nos ajude a travar este assassino.
- Pois... Isso vai ser o mais dificil.
- Mas vai conseguir. Eu sei que sim. Eu acredito em si. Só falta você acreditar. E...ah e tal, se fôssemos comer então??
- Aí está uma boa ideia. Até já tenho o estômago colado ás costas.

......................................

Chegados ao restaurante, sentaram-se bem junto à janela, que dispunha de uma bela vista para o rio Tejo. O restaurante tinha uma decoração moderna com fotografias de músicos e vários instrumentos espalhados pelo espaço. Tudo era referência à música. Marta gostava. Estava deslumbrada com a envolvência conceptual em torno da música. Os Nouvelle Vague são o som de fundo. A letra de Dance With Me conseguia-se ouvir na perfeição.




"Let's dance little stranger
Show me secret sins
Love can be like bondage
Seduce me once again.
...
Won't you dance with me
In my world of fantasy
Won't you dance with me
Ritual fertility."

- Belo restaurante, Francisco. Estou impressionada. Para além de Inspector da Judiciária bem humorado, também sabe escolher bons restaurantes. Muito bem.
- Digámos que... "sei escolher bons restaurantes" é o meu nome do meio.
- Então... você chama-se... Francisco "Sei Escolher Bons Restaurantes" Mesquita. Parece-me um excelente nome para um inspector da judiciária..
- Estou a ver que está bem disposta, menina Marta. Mas lamento estragar-lhe essa boa disposição, mas temos de adiantar trabalho enquanto a comida não chega. Tenho aqui o dossier que lhe falei.
- Bahh! Ok, vamos lá então... errr... "dar forte"(?)... no trabalho.
- Então vamos lá. Isto que tenho aqui em mãos... é o dossier que contém os elementos dos 3 primeiros crimes cometidos pelo nosso "querido Jack"... estrangulador. Este dossier ficará consigo. Vai levá-lo para casa, estudá-lo, ver as fotos... e principalmente tocar nos objectos. Os objectos serão os seus mediadores na busca visual do assassino. Certo?
- Ceeerrrtttoo!! Então conte-me coisas sobre a 1ª vitima. Nome, idade, onde morava, ....
- Maria da Conceição. 32 anos. Natural de Bragança, mas resídia há já algum tempo em Sintra. Era funcionária de um banco. Solteira. Nas conversas que tivemos com alguns vizinhos, todos foram peremptórios em afirmar que era uma pessoa simpática e afavél. Aliás, todos eles ficaram incrédulos e muito tristes com a noticia da sua morte.
Em relação ao modus operandis, basicamente é o mesmo usado nas 4 vítimas até agora. Ele entra em casa das vitímas, e quando elas estão no chuveiro aparece por detrás e com as duas mãos bem apertadas no pescoço, sufoca as vítimas até à morte. Isto segundo os relatórios do médico-legista.
- Errr... cobarde!!!
- Segunda vítima. Raquel Coelho. 29 anos. Natural de Lisboa. Resídia actualmente na linha do Estoril. Professora de Psicologia. Solteira. Nas declarações dos vizinhos, notámos alguma apreensão... pareciam com medo quando se falou nela. A vizinha da porta da frente disse que havia sempre muito movimento em sua casa aos fins-de-semana. Principalmente homens. Ao que parece a nossa professorinha, mantinha uma certa... vida-dupla. Resta saber qual.
- Uma banqueira e uma professora de psicologia. O que virá a seguir? Médica??
- Boa Marta. Bastante perspicaz... Tânia Silva. 34 anos. Divorciada. Natural da Nazaré. Residente em Oeiras. Exercia funções de pediatria no Hospital Santo António. Segundo declarações de colegas de trabalho, ela nos últimos dias andava muito nervosa. Não falava muito e mesmo na relação com as crianças... não parecia a mesma. Fria, distante... disseram eles. Das 3 primeiras vítimas, esta parece que foi a que deu mais luta. Segundo o relatório, as escoriações eram bem mais visivéis no pescoço da vítima.
- E eu que pensava que estas coisas só aconteciam nos filmes.
- É verdade. Afinal... não estamos tão sossegados quanto isso.
- Ahhh!! Finalmente... o meu arroz de pato está pronto. Com esta história toda, até já me tinha esquecido da fome que tenho... argh!!!
- A gente continua depois do jantar. Mas entretanto fique aí com o dossier... não vá você esquecer-se dele... por causa do "pato".
- Seeeempre a mandar a piada. Como é que consegue, com todo este... clima de... mortes??
- Uiii!!! Nem eu sei. Digámos... que é a minha natureza ser assim... tão bem disposto.
- Ah, e em relação a César, o número que me forneceu já o usei. Falei com ele, mas adiantou de pouco. Não será melhor marcar um encontro com ele?
- Quer que o chame à Judiciária? Arranjava uma sala só para vocês os dois. Mais seguro e longe de olhares curiosos.
- Parece-me bem. Até porque ele continua bastante abalado com esta história toda da morte de Clara. Depois diga-me qualquer coisa sem falta.
- Amanhã, logo de manhã trato disso. E... o seu pato está bom??
..............................................

Dossier na mão e pronta para ir embora, Marta deixa cair algumas fotos do dossier. Há uma que lhe prende a atenção. Raquel Coelho estava meio emergida nas águas calmas da banheira. Olhos abertos. O olhar era mórbido e sereno ao mesmo tempo.
Marta observa atentamente, e num ápice começa a sentir algo estranho. Como se alguém a estivesse a arrastar para um local desconhecido. Estava em pleno apartamento da segunda vítima. Naquele momento, viu alguém... alto e esguio. Vestia de preto e usava chapéu. Um chapéu como outro qualquer. Também preto. A imagem era turva e dessincronizada. Mas era real e perceptível o suficiente para saber que era o assassino... alto e esguio. Acabara de sair do apartamento... a cheirar a "morte" nas suas mãos. Implacavél...
Parou...

Marta não se conteve e saiu a correr para o muro mais próximo. Vomitou...

- Ainda dou em bulímica com esta palhaçada! Dass!!!
- Vai! Voa patinho... Voa em liberdade!!!
- Haha...errr. Muito engraçadinho, senhor Inspectorrrr!!! Acho que enveredou pela profissão errada.
- Já não é a primeira pessoa que me diz isso, sabe...
- Imagino... imagino. Deve ser fresco você. Deve, deve!!!
- Nada disso Marta. Gosto apenas de tornar os momentos... mais... agradavéis só isso. Quer boleia para casa???
- Sim. Porque não. Não me estava apetecer dar conversa a um taxista com este hálito a "pato morto".
- Vamos então.

..........................................................

Já só, no seu apartamento e com os dentes bem escovados, Marta resolve deleitar-se no sofá. Dossier em cima da mesa. Aparelhagem ligada a "meio gás". Gostava de se concentrar ao som da música.


"Spy something begining with S.......

On candystripe legs the spiderman comes
Softly through the shadow of the evening sun
Stealing past the windows of the blissfully dead
Looking for the victim shivering in bed
Searching out fear in the gathering gloom and
Suddenly!
A movement in the corner of the room!
And there is nothing I can do
And I realize with fright
That the spiderman is having me for dinner tonight!
............
And I feel like I'm being eaten
By a thousand million shivering furry holes
And I know that in the morning I will wake up
In the shivering cold

The spiderman is always hungry..."


Começa pelos objectos. Toca-os. Sente-os. Marta fecha os olhos. O shampô de Maria, a 1ª vítima é apalpado em suaves toques. A imagem turva e dessincronizada volta a aparecer, mas desta vez mais clara e nítida. O mesmo corpo alto e esguio vestido de preto volta a aparecer. Ele está em todo o lado. Aquele chapéu. Um simples boné preto com umas pequenas letras a branco do lado direito. "SWISS". O que quer que signifique aquela palavra, ela tinha a ver com Suiça, pensava Marta.
Acorda. Decide apontar. Parece-lhe relevante aquela palavra. Já é um começo dizia ela.
Decide segurar o segundo objecto. A toalha de banho de Tânia, a 3ª vítima. Desta vez é dificil concentrar-se. Estava cansada...

domingo, 24 de junho de 2007

Capítulo XXV

Um banho quente sabia-lhe bem, mas agora sempre que entrava numa banheira lembrava-se dela. Teria sofrido? Gostava de pensar que tinha sido rápido. Ela não merecia sofrer.
Novamente um impulso de escrever o seu nome. Desta vez foi no espelho embaciado da casa de banho. Antes tinha sido na PJ. Aquilo sim tinha sido uma burrice. Escrever CLARA no local onde tinha sido interrogado sobre a sua morte. Mas escrever o seu nome era como uma forma de tê-la ali perto dele novamente.
Via seus ferimentos por entre as letras. Um grande corte sob o olho direito e uma negra do lado esquerdo da boca. Quem diria que aquele estupor era tão forte? Mas não reagiu. Por quê? Por que deixou que Pedro lhe batesse? Por quê?
Talvez tivesse sido aquela foto da Clara com a miúda e com Diogo. Sabia que ela tinha uma filha, mas não sabia que era tão próxima do cunhado. Ela nunca falava sobre a sua vida pessoal. Na verdade, não sabia muito sobre ela, mas o que sabia bastava-lhe. Ela era doce. Um anjo.
Pensava nas suas fotos. Antes faziam-lhe companhia, mas agora não as podia ter por perto. Fizera bem em tirá-las das paredes. O seu perfume e o sabor da sua boca seriam as únicas lembranças daquele amor quase platónico.
Por agora era melhor colocar um penso rápido naquele corte. Já estava atrasado.

A sua mão alisava a superfície da chaise longue quase como um acto involuntário. O veludo suave que lhe fazia lembrar a pele de Clara. Ou como ele imaginava que fosse. O beijo foi tão rápido!
Tic, tac, tic, tac…detestava aquele relógio. Tic, tac, tic, tac. Ela já estava dez minutos atrasada. Demoraria muito mais? Não gostava de admitir para si mesmo que andava numa psicóloga, mas aquilo até sabia bem. Era sempre alguém com quem compartilhar, uma amiga.
Não tinha muitos momentos assim. Ultimamente seu único amigo era ele mesmo. Os antigos amigos não percebiam o seu amor. Não percebiam as fotos nas paredes ou o perfume de maçã. Diziam que era uma obsessão.
“Olá César. Como estás? Fizeste o teu TPC?”.
Era uma senhora elegante a Drª Sophia Dantas. Lembrava-lhe Sophia Loren não só pelo sotaque ou pela elegância, mas principalmente pela beleza. Seu sotaque não negava que vinha de Itália, mas não atrapalhava a sua atitude decidida e profissional. Ela sabia o que fazia.
“Fiz. Custou-me um bocado, mas fiz. Assim a polícia já não terá tantas suspeitas, não é? Mas não consegui deitar fora o perfume. Talvez ainda consiga, mas não agora. E qual é o mal em tê-lo comigo?”. Tinha esperanças de que ela concordasse que não havia mesmo mal nenhum.
“Tu sabes qual é o mal. Já falamos sobre isso vezes e vezes sem conta. Tu amas demais, e amar demais também é uma doença. É por isso que estás aqui. Mas se não fazes aquilo que eu te peço, se não cooperas, eu não posso ajudar-te!”. Ele sabia que era um paciente complicado até para uma pessoa com tanta experiência. Sabia que ela precisava ter muita calma e paciência. Mas porque as pessoas não conseguem aceitar um amor como o dele?
“Não quero ver-te novamente até que te livres de todas as coisas que podem lembrar-te dela. Ela está morta, César! E tu estás vivo! E ou paras com essa história de que a polícia vai perseguir-te ou mando-te para um psiquiatra para que ele te trate como um esquizofrénico!”. Levantou-se e foi até a porta, mas antes de sair perguntou “Queres dizer mais alguma coisa?”
César já não sabia o que dizer. Aquela que achava ser a sua “quase” amiga também o ia deixar, assim como os outros amigos tinham feito. Será que ele estava mesmo obcecado com aquela história? Será que o seu amor era anormal?
Decidiu contar-lhe sobre a sua visita à casa de Clara. “Estive na casa dela. Sei que era suposto não ir até lá, principalmente sendo uma cena de crime. Mas precisava de tentar perceber o que se passou. Precisava de sentir a sua presença. Precisava de ver o local onde ela morreu.”
Ela fez um ar desconsolado. Fez aquela cara de quem estava a pensar que ele era um estúpido, mas respirou fundo, manteve a calma e sentou-se novamente. “E então?”
Ele contou-lhe sobre como foi estar na casa da mulher que amava, como foi sentir o seu perfume e ver as suas fotos. “E então recebi uma sms que me dizia que o que eu estava a procurar estava debaixo da mesa do escritório! Mas não sei quem enviou nem estava a procura de nada! Já estou farto dessas mensagens misteriosas!”.
Ela bateu com a mão na mesa e levantou-se. “Acho que tenho mesmo que mandar-te para o psiquiatra! Tu andas a querer enganar-te ou o quê? Não tens ninguém a seguir-te, ninguém a mandar-te mensagens! É tudo imaginação tua! Não vês?”.
Desta vez foi ele que se levantou. Não estava a ficar louco nem estava a imaginar coisas. Sabia que a sms era real. Ou pelo menos achava que sabia! Pegou no telemóvel para mostrar-lhe as mensagens. Mensagens, Caixa de entrada, Mensagens Recebidas. Não estavam ali! Teria apagado?
Tinha que descobrir quem matara Clara. Mas como? “Volto quando descobrir o assassino”.
“Onde vais? Ainda temos muito que conversar. Quero dar-te o cartão de um amigo meu. Ele vai passar-te uns medicamentos que podem ajudar.” Mas ele não queria saber de psiquiatras. Bateu a porta.

Pensava como ia fazer para encontrar Diogo. Tinha deixado a agenda dentro da mala. Devia ter tirado pelo menos o cartão! Estúpido. Ainda procurou na sua lista de contactos do telemóvel, mas não conseguiu encontrá-lo.
O telemóvel começa a tocar, mas não conhece aquele número.
“César?”. Conhecia aquela voz, mas não lembrava de onde.
“Sim? Quem fala?”
“Vimo-nos no apartamento da Clara. Eu sou a amiga do Pedro, Marta.” Agora lembrava-se.
“Olá.” Não sabia exactamente o que dizer. Não era muito bom no que se pode chamar de relacionamento interpessoal. Nunca soube como puxar conversa. “Está melhor?”
“Estou sim, obrigada. Desculpe também por ter telefonado, mas precisava mesmo falar consigo.”
“Como conseguiu o meu número?” Seria ela mais uma investigadora? Teria ele cometido algum erro? Estariam todos à sua procura?
“Reconheci a sua voz e lembrei-me que fizeram-lhe umas perguntas sobre a Clara. Pedi à pessoa que está encarregue das investigações do assassinato que me desse o seu número. Ando a tentar ajudá-los, mas não sou polícia. Não se preocupe!” Se não era polícia, o que queria com ele?
Ela continuou. “Sei que você era colega de trabalho da Clara, mulher do Pedro. Queria falar um bocado sobre isso. Posso?”
“Ok” Essa poderia ser a sua oportunidade de descobrir mais um bocado sobre as investigações. Poderia ajudá-lo a dar mais alguns passos e descobrir quem tinha tirado a vida daquela mulher a quem ele tinha amado de forma tão plena. Poderia ajudá-lo na sua vingança.
“A Clara comentava consigo algo sobre a sua vida pessoal?”
“Não. Falávamos mais sobre o trabalho. Quer dizer, sabia que ela tinha uma filha e que era casada, mas não mais do que isso.”
“Engraçado. Li no depoimento do cunhado dela uma referência sobre o facto de vocês os dois terem ficado mais próximos nos últimos tempos.” Por que Diogo teria dito aquilo? Estaria a tentar incriminá-lo? Ou teria Clara comentado com ele sobre o amor dos dois? Que estupidez pensar que ela também o amava! Pensou no beijo.
“Não sei o que faria com que o Diogo dissesse isso. Não era verdade.”
“Mas você amava-a, certo?” Como ela sabia? Ele não tinha dito nada sobre isso. Teriam conversado com a Drª Sophia? Mas e o raio do profissionalismo? Onde estava? "Lembro-me de uma música que lhe dedicou há uns tempos: "Shoot Me Down". Pareceu-me romântico, atencioso."
“Er…Sim. Mas isso não vem ao caso! É pessoal!”
“Hum…ok. Eu não conheço o Dr. Diogo Madureira, mas sei que ele é um psicólogo. Não sabe se a Clara andava a fazer terapia?”
“Já disse que não falava sobre a sua vida pessoal.”
Repetiu para Marta tudo aquilo que já tinha dito à polícia. Mas ela diria aquilo que ele queria saber? “E vocês já têm alguma pista sobre o assassino?”
Ela pareceu hesitar antes de responder. Pareceu ponderar. “Na verdade, ainda não sabemos quem ele é. Ou ela." Ficou em silêncio por alguns segundos. No que estaria a pensar? "Parece que o trabalho foi bem feito.”
“Parece estar a esconder-me algo.” Atirou barro à parede.
“Você parece um bom homem. Parece-me que amava mesmo aquela mulher. Acho que pode ajudar-me a descobrir mais qualquer coisa.” Ela começava a abrir-se com ele. “Eles dizem que eu tenho uma coisa chamada PES. Parece que eu sei de coisas que outras pessoas não sabem. Sinto o que outras pessoas não sentem. Ontem vi o rosto de um homem na banheira da Clara. Não sei se é importante, mas senti uma coisa estranha.”. Ele deixava-a falar. “Senti medo.”
“E conhece o tal homem?”
“Er…Não sei. Achava que sim, porque conheço o seu rosto. Mas não parecia ele. A energia não era a dele.”
“Tenho de ajudá-la a descobrir o cabrão que matou a minha Clara.”

sábado, 16 de junho de 2007

Capítulo XXIV

-Tem razão. – Diz Diogo – Zurique não é, de facto, um destino de férias!... – A mente trabalhava a duzentos à hora – Mas, sabe, os grandes colóquios de Psicologia Clínica correm toda a Europa! Desta vez vou juntar o útil ao agradável. Voo até Zurique, passo lá uns dias, e depois aproveito a magnifica rede ferroviária helvética para ir até Berna, ao colóquio.
- Muito bem então! – Disse um dos polícias. Mudou o tom de voz e o rumo da conversa. – Pode definir melhor a sua própria expressão, “éramos muito chegados… mesmo depois do pedido de divórcio do meu irmão”?
- Sim, com certeza. – Diogo cruzou a perna e colocou as mãos no joelho mais alto. Sabia que o à vontade era importante. Sabia que olhar para os olhos de quem o interpelava era demonstrativo de confiança. – Como sabe, fruto do apoio jurídico que presta ao Dr. Bernardo na Associação do Micro-Crédito, o meu irmão Pedro ausenta-se do país com muita frequência. Ela era uma pessoa algo insegura sabe? Depois, mesmo não sendo psicólogo dela, até porque não era muito correcto, era, por assim dizer, uma espécie de confidente. Além disso, há a pequena Sara! A minha sobrinha é um elo de ligação muito forte entre nós. Eu gosto de pensar em mim mesmo como um segundo pai… Às vezes, porque o Pedro se ausenta, sou quase um primeiro pai…
- Compreendo. – Disse um dos inspectores. Olhou os seus colegas não vendo reacções de dúvida ou desconfiança. – Por mim, e pelos vistos pelos meus colegas também, não há mais nada a perguntar. Estamos esclarecidos. Se por ventura necessitarmos de si voltaremos a contactar. Se, por outro lado, o senhor se recordar de alguma coisa que lhe pareça relevante, não hesite em contactar-nos. – O inspector estendeu um cartão a Diogo.
- Pode descansar inspector. Assim o farei. Tenham um bom dia! Mas… antes de sair… Só uma coisa. Talvez fosse boa ideia falar com o colega de trabalho dela. Um César. Não sei se sabem quem é… Ela falava dele com alguma regularidade nos últimos tempos…
- Ah sim? Muito bem! Obrigado pela informação adicional. Faça boa viagem... E aproveite as férias! – Atirou um dos inspectores ao cruzar a porta.
Diogo fechou a porta atrás de si e foi para a sala. Por trás dos cortinados ficou a espreitar até o carro da PJ desaparecer na estrada.

--

Pedro acabara de preparar a sua mochila. Não chegou, sequer a fechá-la. O toque do telefone assustou-o. – Bolas! Qualquer dia dá-me uma coisinha má! – Por momentos pensou que era o seu irmão Diogo. Tentara contactá-lo toda a tarde. Pegou no telefone e viu o número de onde procedia a chamada. Os primeiros três dígitos - dois, seis, seis - bastavam-lhe para saber quem era. Aquele indicativo era de Évora, a terra natal dos pais de Clara. Pedro atendeu e ouviu do outro lado o sotaque da mãe de Clara, a dona Beatriz:
- Pedro?
- Sim. Olá dona Beatriz. Eu tentei ligar-lhe hoje de tarde.
- Pois. Eu vi aqui… Então? Tem novidades para nos dar?
- Não dona Beatriz. Infelizmente não tenho nada… Liguei-lhe porque lhe queria dizer que passo aí amanhã para ir buscar a Sara. Quero passar uns dias com ela…
- Tem a certeza Pedro? Ela está bem aqui connosco.
- Disso eu não tenho dúvidas dona Beatriz. Eu é que estou a precisar da companhia dela… - Pedro sentiu uma vontade irreprimível de chorar.
- Está bem Pedro. Venha descansado. Nós estamos por casa.
- Ela está acordada? Queria ouvir a voz dela…
- Não. Já foi dormir. Ela e o avô foram ao monte hoje. Veio tão entusiasmada! Falou, falou, falou… Depois caiu na cama, ficou como um anjinho!
- Ela é um anjinho!
- Pois é! Vá! Descanse Pedro. Até amanhã.
- Até amanhã.

--

Diogo tinha a música nas alturas. Por toda a casa ecoava o violoncelo do Prelúdio da Suite n.º1 de Bach.

Ouvia este trecho vezes e vezes seguidas. Até à exaustão.
À medida que preparava a sua mochila para a viagem Diogo revia o plano dos dias que passaria na Suíça. Chegar a Zurique de avião. Daí ir para Luzerna. Já se imaginava na Kapellbrücke, a ponte de madeira do século XIV, sobre o rio Reuss.
Depois? Bem, depois passar por Berna mas de certeza que não era para assistir a colóquio nenhum. Havia só mais um destino na Suíça. O vale de Lauterbrünnen. Um dos raríssimos sítios que conhecia onde conseguia sentir paz interior.
Sentou-se, por fim, no cadeirão. Estava exausto. Atirou a cabeça para trás. Com a mão esquerda procurou o comando para aumentar o volume. Ainda mais.
No dia seguinte Diogo saiu cedo de casa. Estaria a tempo e horas no aeroporto. Horas, minutos e segundos. Diogo era meticuloso no que a horários dizia respeito.
Já no aeroporto passou incontáveis vezes os olhos pelo relógio do painel das partidas. Só um nome o distraiu deste ritual – Florença. Este nome, associado ao de Clara, recordava-lhe um fim-de-semana escaldante na capital da Toscânia, berço do Renascimento.
A chamada para check-in despertou-o. Diogo seguiu calma e ritmadamente para o balcão.

--

No dia seguinte Pedro saiu cedo de casa. Esperava estar a meio da manhã em Évora para reencontrar a sua filha. A viagem correu rápida no velocímetro mas lenta na mente de Pedro. Os olhos passaram vezes incontáveis pelo relógio do seu automóvel. Nunca mais era a hora de ver Sara.
Quando finalmente estacionou frente à casa dos seus ainda sogros prontamente a porta se abriu.
- Papá!!!! – Com um sorriso rasgado Sara correu em direcção ao pai. Nas costas uma mochilinha cor-de-rosa, com a forma da cara de uma gatinha. Nas mãos um peluche peculiar. O tigre Hobbes, o companheiro de aventuras de Calvin. Presente do tio Diogo, este peluche recordava a Pedro as suas tiras de banda desenhada preferidas.
- Girassol! – Pedro apressou-se a apanhá-la do chão. Levantou-a acima do seu olhar. O sol a espreitar por entre os cabelos soltos da filha. – Tantas saudades que o pai tinha de ti meu amor! – Deu-lhe um abraço que, a certa altura, lhe pareceu demasiado forte. Ao pé daquela pequena criança todas as preocupações ficavam minúsculas. A filha olhou sobre o ombro do pai para o lugar-do-morto, vazio. – A mamã? – Pedro fez um esforço descomunal para manter um sorriso na cara. – A mamã não pode ir girassol.
Dona Beatriz aproximou-se, carregando uma malinha nas mãos e tristeza nos olhos.
- Como vai Pedro? – Este respondeu-lhe com um encolher de ombros. – Vai-se andando… Olhe, nós vamos até Sevilha. Eles têm lá um parque de diversões. Vai ser um espectáculo, não é filhota? – Olhou de novo para a sua menina. – Siiiiiim!
O resto do dia foi passado em viagem. Pedro e Sara cantaram, jogaram e riram bastante. Os silêncios, curtos, só aconteciam a seguir às perguntas sobre a “mamã”.
Ao fim do dia chegaram a PortAventura. No quarto do hotel Pedro deitou a sua filha. Sara despertou por uns instantes. Enquanto o pai lhe aconchegava os lençóis, Sara fez o pedido de sempre:
- Papá canta a música da menina doce. Cantas?
O pedido desenhou um sorriso na cara de Pedro. - Claro meu amor. – Deitou-se ao lado dela e começou a cantar a música do seu filme preferido – Assassinos Natos - Sweet Jane.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Capitulo XXIII


- Marta!? Marta!? – Pedro quase teve uma síncope cardíaca quando entrou no apartamento com César e viu Marta desmaiada no chão.

- Que lhe fizeste? – Perguntou César.

- Estás doido? Eu não fiz nada! Não entraste ao mesmo tempo que eu!?

- Sim, entrei. Mas quanto ao que fizeste depois de eu ter saído já não posso dizer nada!!

Pedro praticamente o fuzilou com o olhar, “Mas o que este estúpido quer? Quem é ele para estar aqui a mandar bitaites e exigir explicações!”. Controlou a sua raiva e voltou novamente a sua atenção para Marta.

“Marta!? Marta!!”

Marta começou a ouvir a voz ao longe, já a sair do limbo da consciência-inconsciência conseguiu aperceber-se que tinha desmaiado e que precisava acordar. Ao mesmo tempo que voltava a si recordou o que sentiu e tentou lembrar-se do que viu.

Finalmente desperta, Marta abre os olhos. Por cima de si encontrou dois pares de olhos a devolverem-lhe um olhar inquisitivo. Marta não estava preparada para o que sentiu a seguir. O seu estômago embrulhou-se, sentiu vontade de chorar e o pânico tomou conta dela. Sem saber bem como pôs-se de pé e aos gritos empurrou Pedro que era quem estava mais perto de si.

- Marta! Tem calma! Está tudo bem! Sou eu, o Pedro!

Marta estava de costas para os dois mas a voz dele conseguiu traze-la momentaneamente a um estado de maior normalidade.

- O que é que ela tem!? – Perguntou César.

Marta reagiu à voz de César. Virou-se para lhe perguntar de onde o conhecia mas assim que voltou a deparar-se com o olhar dos dois homens a sua cabeça recomeçou a andar à roda.

- Tenho de sair daqui! Quero falar com o Inspector Francisco. – Sem saber bem porquê Marta arrependeu-se imediatamente de ter dito aquilo.

As feições de César e Pedro passaram de estupefacção para preocupação. - Porquê!? – Perguntaram os dois ao mesmo tempo.

- Porque preciso. – Responde Marta rispidamente já a sair pela porta fora.

... ...

Demorou apenas um quarto de hora a Francisco para responder ao chamado de Marta e ir ter ao apartamento dela. A voz dela deixou-o preocupado, ela estava assustada e desamparada. Quando entrou no apartamento apercebeu-se que Marta tinha chorado mas nada lhe disse. Sem que Marta percebesse o porquê começou a rir-se.

Marta olhou para ele incrédula – Está a rir-se de quê!?

- Desculpe Marta, mas é que não posso deixar de me lembrar da última vez que estive aqui. Aquele Scooby-Doo assustado não queria acreditar que os fantasmas dele eram apenas lençóis da cama com buracos para os olhos.

Marta sorriu. – Só o Inspector Francisco para me fazer rir nesta altura. O Mário sempre tinha alguma razão. Ele realmente estava a ser vigiado mas era uma vigia de mentirinha.

- Mau! Eu já não lhe tinha dito para me deixar o Inspector de lado? Só em situações oficiais. Mas vamos lá Marta, conte-me o que se passou.

Marta descreveu tudo o que sentiu desde que entrou no apartamento até ao momento em que praticamente fugiu de lá. Francisco não a interrompeu, apenas segurou-lhe a mão quando o sentimento de pânico parecia que ia voltar a tomar conta de Marta.

- Quem era o outro homem no apartamento!?

- Não sei. O Pedro disse que ia ter com um melro ao café. Devia ser ele.

- Bem… o Sr. Melro não nos ajuda muito – disse Francisco a sorrir para Marta.

Marta não sabia o que Francisco tinha, mas ao lado dele, ela sentia-se segura, amparada e com força para seguir em frente. A melhor forma que Marta o conseguiu descrever para si mesma é que se sentia abraçada e gostava muito do calor desse abraço.

- Pois não… Quando ele falou pareceu-me que já o conhecia de algum lado. Mas não tive forças para lhe perguntar de onde – disse Marta com um bocado de vergonha.

- Reconheceu a voz!? – Francisco apercebeu-se logo de quem poderia ser o homem – Como é que era a aparência dele?

Marta descreveu o melhor que conseguiu. – Ou muito me engano Marta ou esse era César Campos, o companheiro de Clara na rádio.

- Claro! Claro que era ele! Meu Deus como é que eu não o reconheci imediatamente!?

- Apenas interessado no dia-a-dia da rádio… está bem, está! E de repente está com Pedro no local onde Clara morreu. Como sempre o Doutor Casa tem razão… Everybody lies! Então num interrogatório são umas atrás das outras.

Francisco olhou para Marta e percebeu que mais uma vez o rosto dela se tinha fechado – Então? Que foi?

- Acho que não tenho jeito para isto, não sei se alguma vez vou conseguir fazer da PES a minha segunda natureza como diz que tem de ser. Nem o César Campos que ouço na rádio todos os dias consegui reconhecer. Entrei em pânico, até ao Pedro dei um empurrão sem mais nem menos.

- Parece-lhe sem mais nem menos Marta. Sim… o desmaio depois de ter estado na casa de banho foi uma reacção à forte emoção que sentiu lá. O corpo não estava preparado e teve quase que fazer um shutdown de emergência para lidar com a situação. Mas o que sentiu depois quando acordou… isso não. Isso não foi simplesmente ainda consequência das sensações anteriores. Está ligado a elas, obviamente. Essa sua reacção perante o olhar daqueles dois homens, ou até mesmo só de um deles, pode-nos dizer muita coisa, muita coisa mesmo. Coisas que a Marta na altura não percebeu mas às quais a sua percepção imediatamente reagiu.

Marta olhou para Francisco tentado absorver tudo o que estava embutido no que ele dizia. Desviando o seu olhar do dele Marta suspirou fortemente e diz embaraçada.

- Estou assustada! Não sei se estou à altura do que estão à espera de mim. Tenho medo de desiludir toda a gente.

Francisco puxa o rosto novamente na direcção dele para que ela o olhasse nos olhos.

- Marta. Não tens de ter vergonha nenhuma de ter medo, de estar assustada. O medo é bom, mantém-nos alerta. Só não nos podemos deixar dominar por ele. O medo tem de ser como um cão que ladra quando nos aproximamos. O latir dele alertou-nos para a presença de um perigo mas nós continuamos a andar, passamos o cão e seguimos em frente. Se ficarmos sem reacção e fugirmos, o cão pode começar a correr atrás de nós, pode até transformar-se num lobo que nos passará a perseguir.

Marta continuava a olhar para Francisco, as palavras dele tinham sido como um cobertor numa noite de Inverno. Francisco percebeu que ela estava a conseguir estabilizar as emoções.

- A parte do cão e do lobo li num livro – disse Francisco – É claro que lá estava dito de uma maneira muito mais lírica e era dito por um dos maiores e mais mortíferos guerreiros de sempre, mas acho que me safei bem.

- Obrigado. – Marta riu-se e agradeceu – Obrigado mesmo.

- Ora essa! Sempre que precisar de ajuda para enfrentar um caniche, conte comigo!

As palavras eram ditas em tom de brincadeira mas Marta sabia que não podiam ser mais verdadeiras. Sentiu a confiança dela a voltar e a voltar com mais força.

- Ok! Vamos então analisar tudo mais uma vez! – Disse Marta sorrindo para Francisco.

- Mais uma, duas, três… as vezes que forem necessárias. Mas antes tenho de comer porque estou com uma fome digna de um Obelix!

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Capítulo XXII

César teve um inesperado assomo de coragem. Ficou ali, de pé. Sentira alguém a entrar no apartamento e decidira não se esconder. Não tinha cometido nenhum crime, portanto, não tinha que ter medo. Fosse quem fosse, não lhe importava, aliás, nada lhe importaria. Neste momento da sua vida não poderia cair mais fundo. Socorreu-se das lembranças de Clara, do beijo....Um vulto estava, agora, dentro do apartamento.

Pedro decidira ir ao apartamento de Clara, para lá de alguns objectos que queria levar para si, queria investigar por si próprio o misterioso assassínio. Já dentro do apartamento, tomou um grande susto. Nunca imaginou que alguém lá estivesse. Mais surpreso ficou quando viu que era César e este o cumprimentou: "Viva, também por cá?!" Só uma ideia lhe passou pela cabeça: "o assassino!" Vermelho de fúria avançou para ele e com apenas um soco o tombou e, com ele no chão, o esmurrou sucessivamente até sentir que não reagia. Nem esboçou defesa; tinha sangue por toda a cara, proveniente do nariz e dos lábios rompidos. Apenas gritou: "odeio-te, Pedro!!"

"O criminoso volta sempre ao local do crime!", disse Pedro com a voz alterada. Procurou o telemóvel no bolso e preparava-se para ligar para a polícia... Prostado no chão, César lançou umas palavras: "Pedro, não sou eu o assassino..." De repente, ao passar os olhos pelo chão, viu uns papéis e fotografias... Meteu de novo o telemóvel ao bolso. Se anteriormente estava furioso, agora estava possesso! Clara aparecia em fotos com o seu irmão gémeo, Diogo, e com uma criança... Leu as cartas, ficou durante dezenas de minutos a ver as fotos, a reler as cartas... "O meu irmão, grande cabrão!" Esquecera-se do César: "Eh pá, o gajo ainda me vai morrer aqui!". Levantou-o do chão. Este sempre estivera acordado, porém, imóvel. Levou-o para a casa de banho e, com a água do lavatório a correr, lavou-lhe a cara. O nariz deixara de sangrar e as únicas marcas da agressão eram o nariz esfolado e cantos dos lábios rasgados.

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O bloco de notas era agora o seu companheiro inseparável. As coisas para lá do normal que conseguia ver assustavam-na. Assustavam-na mas, esse medo, tornava-se positivo. O medo mantinha-a alerta e preparada para o perigo. A capacidade de através de objectos ver factos passados era-lhe inata, embora, não tivesse consciência disso até ao momento em que foi convidada a colaborar com a polícia. Marta tinha um dom.

Marta ia ao encontro de Pedro. Ele fizera-lhe um telefonema estranho, num tom monocórdico que a deixou receosa. Mais ainda, quando este lhe disse que era urgente e que não dissesse a ninguém. Não sabia o que poderia reservar-lhe Pedro mas, mais por incapacidade de dizer não do que por curiosidade, ia ter com ele. Ia ter ao apartamento onde Clara morrera. Já lá estivera com o inspector Francisco Mesquita, isto numa altura em que ainda não tinha verdadeiramente optimizado a sua percepção extra-sensorial. Estava ansiosa. A proximidade fazia com sentisse que algo estava prestes a ser descoberto... Não imaginava o que ele queria.

Pedro estava sozinho no apartamento. César estava magoado por fora e esmurrado por dentro; descera à rua, fora tomar água a um café para limpar o sangue que ainda sentia empastado na garganta. Pedro estava desolado. Sentia-se humilhado. Agora compreendia as reacções de Clara. Compreendia as fugas. Compreendia as mudanças de assunto. Traído pelo irmão! Decidira, entretanto, talvez por pudor ou para ganhar tempo, não mostrar as fotos à polícia. Tinha-as consigo. As cartas também. Metera-as na barriga, por baixo da camisola. Ia desabafar com Marta, depois decidiria o que fazer.

Marta chegara à porta do apartamento que se encontrava semi-aberta. "Posso, Pedro?" Pedro correu ansioso para ela, "Marta, ainda bem que vieste!" Ela já não conseguia ouvir as palavras dele, algo forte fazia com que se concentrasse nas paredes do andar... nos móveis... nos objectos... " Pedro, vou pedir-te, deixa-me por momentos sozinha aqui." Pedro estava atónito, "mas o que se passa, Marta?" "Pedro, deixa-me por momentos, por favor!" Convencido, ele recuou para o vão de escada, "vou ao café ter com um melro..." "Com um melro?", perguntou ela. "Uma longa história, venho já."

Marta sentia medo. Abstraiu-se dos factores de distração. Tirou o seu bloco de notas do bolso. Avançou para o centro do apartamento, entrou na primeira porta entreaberta. Estava na casa de banho. Sentia cada vez mais medo. E, defronte da banheira, sentou-se no chão frio. Levantou-se e pousou o seu corpo, suavemente, no fundo da banheira. Estava concentrada. Estava a sentir algo... Clara na banheira. Um homem. Viu-lhe a cara mas não tem certeza de quem viu!! Sai a correr e cai sem forças na sala, não consegue mover-se...

domingo, 3 de junho de 2007

Capítulo XXI


Desde a morte de Clara que César nunca mais tinha sido o mesmo.
Seu corpo movia-se a dor e sua alma tinha partido com Clara.
O tempo tinha sido curto demais para se fazer ouvir e aquele único beijo era guardado em sua memória embrulhado em papel precioso.
Suas surrealidades o magoavam e ele tentava matar as lembranças de Clara em si, evitando pronunciar o seu nome que lhe causava tanta dor mas não passava de uma utopia porque César não a conseguia esquecer, um grande amor não se esquece.
Tinha saudades do que nunca viveu e isso matava-o ainda mais porque sentia que Clara tinha precisado dele e não conseguiu fazer nada.
Sua angústia em saber a verdade era atenuada com a tristeza dos laços que foram cortados entre si, esperou sempre que Clara lhe devolvesse os laços e quando o fez era tarde demais para o poder usufruir, a felicidade que sempre pintara em sua imaginação, quadro esse que fora estragado pela escura morte.
Morreu o amor que o atormentava por não o poder apreciar.
Não o soube viver quando era possível, sua incapacidade de reacção o condenaram a uma vida de incertezas e desejos por realizar.
Ficou apenas o sonho que lhe rasgava o peito.
Ficou apenas um corpo vazio e a frustração de não poder fazer nada.
César estava determinado a encontrar quem tinha destruído o seu mundo, e no seu mundo ele e Clara eram felizes, no seu mundo amava Clara como nunca antes tinha amado alguém.

De porta-chaves e Moleskine no bolso do seu casaco sai e resolve investigar o apartamento de Clara.
Subindo as escadas de serviço para evitar ser visto César entra em casa de Clara onde ainda consegue sentir o seu cheiro, cheiro esse inexistente mas em sua memória podia cheirar Clara em qualquer parte, ainda estava entranhada em seu corpo e como ele ainda podia saborear o seu beijo!
Ao percorrer o apartamento seus olhos rapidamente ficaram molhados e em choro desolado desejava um pequeno toque ou apenas poder olhar para o seu sorriso que tanto amava mas apenas encontrou o duro silêncio de uma casa vazia e de paredes brancas pelo nada.
César encontra o quarto de Clara onde sorri quando olha para as fotos que encontra, como ela era tontinha quando fazia estas caretas para as fotos cheia de vida mas no entanto alguém muito só.
Vasculha gavetas e nada encontra o mesmo se passa com o resto das divisões frustrado deixa-se cair no sofá.
Bip Bip!
Seu telemóvel toca e seu coração pára.

-Será que…

“César… o que procuras está por baixo da mesa do escritório”

César assustado deixa cair o telemóvel seu coração acelarado com o seu cérebro inundado de perguntas faz com que não sinta a respiração durante segundos.

-Mas…mas como é que…

Medo era agora o novo morador naquela casa antes vazia de vida.
Apesar do nervosismo criado pela sms César resolveu procurar verdade na sms procurando o que poderia estar por baixo da secretária.
Passando a mão pela macia madeira eis que encontra um envelope misterioso.
César estupefacto fica a olhar para o envelope como se algo lhe prendesse os movimentos mas por fim desaparecido o medo dando lugar à curiosidade abre o envelope.

-Mas o que é isto?!???!!!

No envelope César encontrou fotos de Clara juntamente com um homem, pareciam felizes enamorados e juntamente a eles estava uma criança com traços muito parecidos a Clara.
As fotos pareciam de uma família feliz em férias.
César pára por uns minutos numa foto, Clara e homem estavam a beijar-se, César nem queria acreditar o homem era Diogo, o cunhado de Clara.

-Mas porquê?! Eles os dois!

César não queria acreditar no estava a ver até que o envelope lhe revela mais que umas simples fotos.
No envelope dezenas de cartas de Diogo para Clara amarrotadas chamavam a atenção de César mas não eram cartas de amor pelo contrário eram cartas de teor obsessivo, doentio, violento e de tom amargo.
César nervoso pega no Moleskine de Clara e folheia até que pára.
Na data em que Clara fora assassinada tinha um encontro marcado com Diogo...

-Quem será a miúda das fotos!!

Porque raio o Diogo tinha escrito aquelas cartas ameaçando Clara se ambos pareciam felizes nas fotos!!!!

E como Clara esteve com este gajo no dia de sua morte se esteve praticamente o dia todo comigo na rádio?!? Só se depois...

Sua cabeça não conseguia raciocinar mais nada até que a confusão da mente foi novamente perturbada por um barulho, mas desta vez não foi de seu telemóvel…mas sim da porta.
César não estava sozinho alguém entrara no apartamento de Clara naquele momento…