Paralisado. César encontrava-se paralisado. Tantos dias a trabalhar junto de Clara, a sentir a voz aveludada que ela lançava para os microfones; tantos dias a reprimir um impulso; tantos dias a sentir um frémito por cada palavra de veludo dela. Juntos. Trabalhavam juntos. Tantas horas de emissões e nunca fora capaz de avançar perante ela e, afinal, Clara era capaz de sentir algo idêntico por ele. Quanto tempo perdido. «Não bastava o tempo perdido! Teve de ser ela a avançar», massacrava-se ele. «Otário! És um otário!»
A mala de Clara estava em cima da secretária. César avançava titubeante para a mala, vira nela a oportunidade de ir ter com Clara, um pretexto. Mas isso não o tranquilizava, pelo contrário, estava aterrado com a ideia de ela o rejeitar, com a ideia de não conseguir ir ter com ela e dizer-lhe que gosta de cada palavra sua, de cada gesto meigo... Todos os gestos de Clara são meigos! Disso César não tem dúvidas: são meigos! Se Clara fosse uma palavra da Língua Portuguesa, seria TERNURA. Agora, quanto ao beijo, César tinha dúvidas; desejava tanto Clara que quando ela lhe deu um sinal nem acreditou, foi assaltado por dúvidas. «O beijo foi acidental, claro que ela não gosta de mim. Se, ao menos, ela não tivesse saído tão bruscamente depois do beijo, todos estes fantasmas teriam desaparecido; mais valia receber a má notícia logo do que viver permanentemente angustiado. Ficava tudo esclarecido. Levo ou não a mala? A mala? A mala é um pretexto... Sim, levo! De hoje não passa!» Agarrou na mala e saiu disparado. Arrancou com o carro, ia decidido.
«Vou conseguir! Vou dizer-lhe o que sinto! Eu sou forte! Não há limites para mim! Não. Se calhar vou a casa dela fazer uma figura ridícula. Ela vai ficar com raiva de mim, não tenho esse direito! Se ao menos não fosse casada... Sou fraco. Sou fraco!» Contudo, continuava a conduzir em direcção à casa de Clara. «Não, de hoje não passa!» César vivia conflitos interiores fortíssimos, o seu peito era um campo de batalha. Tinha paixão pela vida, sentia que podia ser feliz, sentia que Clara seria o amor da sua vida mas, a sua cobardia fazia-o curvar-se perante o que de mais trágico tinha a vida: a solidão. Hoje estava disposto a ir até ao fim, se corresse mal, o pior que podia acontecer era pedir desculpa a Clara e nunca mais aparecer na rádio. Era isso. Mudaria de emprego se fosse preciso! Ela estava em casa. O Clio dela estava diante de si, ali na rua. «Vou conseguir. Vou dizer-lhe o que sinto! Eu sou forte!» Entretanto, quando reunira todas as forças para o acto mais importante da sua vida, para a grande batalha, vê entrar em casa de Clara o seu marido. «Foda-se! Foda-se!» Era um jovem advogado de olhos verdes como os de Clara, um galã que fazia surf. «Como se chama o gajo...» Ele fora buscá-la um dia ao trabalho. Clara falara-lhe dele. «Pedro, é Pedro o cabrão! Odeio-o!» César foi-se embora.
Para César, esta foi mais uma derrota. Tinha prometido que de hoje não passaria... De noite nem dormiu. Fixou-se nos retratos da parede... Era ela por todo o lado. De que valia dormir, a incerteza era um sentimento de morte que o tomava. De manhã, barba por cortar, hirsuto, olhos encovados, só uma coisa o preocupava, como abordar Clara? Já estava na rádio e, ao entrar na recepção, ficou prostrado: corria a notícia de que Clara morrera! «O marido telefonou a dizer que a Clara adormeceu na banheira, morreu afogada, mas será feita a autópsia ainda hoje de manhã.» As palavras frias da recepcionista vararam-lhe a alma. Como era possível a morte de uma pessoa resumir-se a uma frase tão neutra. «Não é possível! Não pode ser verdade!» César estava incrédulo com a notícia. «A culpa foi minha», martirizava-se. «Perdi tempo de mais com excitações. Se fosse logo levar a mala...» César queria morrer também, ali mesmo...
26 comentários:
Espero que gostem... Lancei o post mais cedo do que o previsto um pouco, pois, não sabia se logo poderia...
Este capítulo desenvolve o retrato psicológico de César, um homem indeciso que vive atormentado com os seus "fantasmas interiores", daí a música... É um capítulo "a la Lobo Antunes." Como Pedro é enigmático, talvez com vida dupla, e ainda não se sabia se era casado ou não, "casei-o" com Clara. Estão cruzados os dois braços da trama.
O ponto da situação:
-Clara vai vai ser autopsiada. Será que vão descobrir que foi homicídio?
-Pedro, afinal era o marido de Clara. Será o homicida? Terá uma vida dupla?
-César, maníaco-depressivo, aguentará o desgosto?
-Marta, a personagem ainda por explorar. Terá premonições, realmente? Sentir-se-á atraída por Pedro? E a ajuda na descoberta de homicídos?
-Bernardo regressará?
Boa sorte ao próximo!
Primeiro: está incrivelmente bem escrito. Bem detalhado e com uso correcto das palavras.
Segundo: o seguimento que deste ao capitulo VIII está excelente. Bem deliniado e arranjas-te mais uma trama, ou seja, metes-te o Pedro surfista ao barulho.
Terceiro: o encaixe da música do Abrunhosa no capitulo encaixa k nem uma luva e torna este conto ainda mais actual... mais recente.
Estás de parabéns Astuto. Fizeste jus ao teu nick.
Tenho de admitir que fiquei um bocado baralhada quando "casaste" a Clara com o Pedro! Não esperava esta reviravolta! Semre imaginei o Pedro um solteitão cobiçado, que morava sozinho com o cão...
Adorei a música, e tal como disse o Corduroy, encaixa perfeitamente neste capítulo!
Boa escolha, boa escrita! Adorei Astuto. Parabéns!
Confesso que me agradou o casamento com Pedro deu um toque novo que ninguém estava à espera pelo menos nunca os tinha pensado juntos, gostei.
Isto agora mais parece aquela cena do "Quem é o tubarão" só que no nosso caso é "Quem matou Clara" e temos vários suspeitos, o misterioso Bernardo, Marta porque entretanto se apaixonou por Pedro ou se queria vingar de Pedro por algum motivo, ...
Bem parecia que o Astuto ia fazer juz ao nome! ParabénS!
Gostei muito da forma como escreveste o capítulo e a música... Tenho de admitir que quando vi Pedro Abrunhosa fiquei reticente... Afinal fui preconceituoso. Gostei da música e gostei de a ouvir enquanto li o capítulo...
Próximo... Phantom!
Entretanto temos um décimo terceiro apóstolo, o Rui, do In-Provável. Sê bem vindo!
Quero deixar uma opinião para os escritores que se seguem (eu incluído): acho que devemos serenar a nossa escrita. Digo isto porque acho que devemos diminuir o número de revelações. Se cada capítulo tiver uma revelação e/ou uma reviravolta corremos o risco de tornar as coisas mais irreais.
No meu entender podemos desenvolver capítulos menos reveladores e mais descritivos pelo meio da trama para não gastarmos os trunfos todos de uma vez...
Fiquem bem!
Astuto, mais uma vez, Parabéns! Eu bem dizia...
:)
Bem, eu estava mesmo à espera deste capítulo. Agora é a minha vez. Já tinha algumas ideias para lhe dar seguimento, esperava apenas pelo desenvolvimento que o astuto iria fazer, que desde já o felicito, gostei bastante, muito bem escrito e com um seguimento do capítulo anterior muito bom. Parabéns.
Agora é a minha vez de me concentrar.
Gostei astuto, tiveste bem e gostei da tua escrita. :)
Teres transformado o Pedro no Marido dela é algo que não tinha pensado mas inconscientemente também mataste outra personagem, o marido, i.e. duas pessoas diferentes afinal eram a mesma. :)
Em dois capítulos reduzimos 2 personagens, eu diria que não seria mal pensado introduzir mais uma ou outra. (detective por exemplo?)
Foi MUITO bom teres feito os pontos de situação, ajuda bastante as próximas pessoas.
E isto remete-me para fazer mais outra sugestão. Poderíamos ter uma lista de "pontos de situação" para garantir que não ficam peças soltas pelo conto. Afinal são muitos capítulos e será muito fácil esquecer-mo-nos de um ou outro pormenor. (Touro o que achas?)
Baseado no teu capítulo e olhando para o meu posso acrescentar os seguintes pontos de situação (para que os elementos não se vão perdendo):
- Quem poderá ter encontrado a foto que ficou no bolso de Clara? (Pedro? Polícia? outro?)
- Que imagem terá esta foto?
- Porque é que Clara não queria por César em perigo.
- O facto de Pedro ter ligado a dizer que chagava mais tarde poderá ter algum significado?
Não se esqueçam que todas estas pequenas coisas contam para a qualidade final do conto.
Estou de acordo com o Touro. Vão ser mais de 100 capítulos, se mantivermos o objectivo por exemplo de 6 capítulos por pessoa, ainda muito se vai ter que passar. Não revelem tudo de início pq o final quer-se bombástico. Há que encher chouriços pelo meio, explorando outros campos.
Phamtom, talvez fosse bom voltarmos à Marta que já não se sabe nada dela à 2 capítulos. :) não tenhas pressa e boa sorte.
Bem isto está num nível! Devo confessar que até tou com receio de me candidatar ao capitulo e "estragar" a história :s por isso não o fiz até agora... mas ponho no próximo lugar vago que eu vou dar o meu melhor.
P.S. eu já estou nos contadores mas o meu nome aparece como LOST in Portugal por causa da postagem no meu blog... nao sei se dá pra por nomes diferentes para blogs diferentes.
Já tinha pensado em qualquer coisa do género Pratas... Vou tratar disso...
Se me escapar digam qualquer coisa!
:)
Muito bem!
Hoje estou muito cansado e vou ser rápido!
Astuto, com a sua astucia acabou for embaralhar mais as coisas ou por outra torna-las mais evidentes!
Ora bem!
- De quem era a foto no bolso de Clara? - amante? - Ele tem problemas com relacionamentos com homens e leva-a a a ter vários casos ao mesmo tempo?
- Ela disse que era o marido - disse ela!
- Pedro seria mesmo o marido ou foi apresentado como tal? Afinal ele parece que vivia sozinho num casarão na Ericeira com o cão Pélé!
- Quem anunciou a morte de Clara? Terá sido o verdadeiro marido?
- Pedro está metido nisto por acidente? Só porque gosta de conquistas? Pois afinal parece que anda a ajudar a Judite nos casos.
- Bernardo também parece participar em acordo com a Judite, pois indicou ao advogado Pedro, Marta como uma possível "ajuda" ou será que é só para ganhar tempo?
- Será que César além de ter um psicose evidente também é bipolar?
Façam um apanhado das evidências ou ainda caiem em contradição!
Concordo com Pratas. Acho que está na hora de arrumar as revelações e começar a juntar factos e pistas. Levar os leitores a começar a imaginar tramas!
Astuto! Muito bem!
O texto está escrito de um modo que dá velocidade! Movimento!
Quase que consegui visualizar tudo, mesmo sem descreveres nada!
Boa malha!
Astuto, grande capitulo! Boa caracterização psicológica de César. Escrita fantástica. Parabéns!
Boas postagens.
Pessoal, obrigado pelos elogios.
Vou falar sobre o capítulo. O "casamento" de Pedro e Clara foi o estratagema que arranjei para cruzar os dois ramos da acção que, até aqui, estavam separados. Estudei a personagem de Clara e sabia-se que tinha marido, fora buscá-la uma vez ao trabalho. Investiguei o Pedro e não havia nada que o desse como casado mas sentia-se que galante como era tinha algo a esconder, aliás, se fosse casado convinha-lhe ser omisso para seduzir Marta. Assim, o Pedro e o anónimo marido de Clara passaram a ser a mesma pessoa.
Contudo, atendendo ao que diz o Eduardo Ramos, o Pedro pode ser "descasado".
- Pedro seria mesmo o marido ou foi apresentado como tal?
- Quem anunciou a morte de Clara? Terá sido o verdadeiro marido?
- Pedro está metido nisto por acidente? Só porque gosta de conquistas? Pois afinal parece que anda a ajudar a Judite nos casos.
- De quem era a foto no bolso de Clara? - amante?
Cumprimentos a todos e boa sorte à Phantom.
Concordo com tudo o k se disse aki. Acho que se queremos manter isto por mais 100 capitulos, temos de começar a divagar um pouco mais sobre as personagens, tipo, criar tempos soltos. Eu no meu capitulo apenas dissertei um pouco sobre a vida de Pedro, e acho k se pode começar a fazer isso para as restantes personagens, por forma a "dar um pouco de palha" á história.
Muito bem! Do Astuto, não esperava menos. Bem escrito do principio ao fim.
O Astuto abriu uma grande porta: Clara era casada com Pedro! Mas fechou outra (que eu ainda tinha esperança de ver reaberta): Clara morreu mesmo :(
Agora Phantom, dá-lhe!
Só uma achega relativamente à questão do Pedro que foi ter à Associação com a Marta ser o mesmo Pedro que estava casado com a Clara... leiam o capítulo 2 (da Alcor) porque ela fala lá que a Marta teve um relacionamento falhado... "O relacionamento com Pedro, um amigo de longa data, acabou por não resultar. Afinal, eram muito diferentes, e os opostos nem sempre se atraem!" :)
Paulo muito bem. Já me tinha lembrado disso. O relacionamento falhado era com um tal de Pedro.
Eduardo, muito bem também. As questões que colocas também são super válidas. Gostei principalmente da: "- Ela disse que era o marido - disse ela!" ela de facto podia ter motivos para mentir. Será que ela desejava mesmo o César, era uma paixão? Amor? Interesse?
Há muito por explorar. Eu volto a sugerir que devemos voltar para a Marta uma vez que já à 2 capitulos e meio que se fala no César e Clara. Podíamos dar uma pausa ao César e desenvolver mais a outra estória.
De cap para cap vai ser mais difícil. Agora só falta colocar na barra lateral estas questões todas e à medida que forem sendo desvendadas podem/devem ser apagadas.
Bom trabalho, e cabeça nesses capítulos.
Vou tratar disso hoje à noite...
Mais uma vez... Se houver pormenores que me esqueça de apontar digam!
Bom trabalho, boa escrita e boa crítica!
Acho que a Música está perfeita!!
Quanto o post simplesmente espectacular! Muito boa escrita e excelente crítica. Adorei.
SENHOR Pratas!!!
Acabaste de dar ao Pedro o cognome de Johnny Bravo! :)
Ou então... Pedro o "beija flor"!
hehe
Essa ideia da barra lateral é óptima pois o desenvolvimento é lento e as coisas vão-se esquecendo e corre-se o risco de entrar em contradição.
Quanto mais para a frente, mais difícil e quem ficar com o pato na mão vai ter que ter ( isto aqui tem eco! ter que ter que ter que ter) muito cuidado!
Desculpem-me mas a barra lateral com os desenvolvimentos está a demorar-me mais do que eu esperava... Já não é para hoje...
Touro, não te preocupes, faz isso quando tiveres mais livre.
Olá a todos.
Parabéns Astuto pelo capítulo. Como tb já foi aqui referido nos comentários gostei muito do ritmo do capítulo..começa, tal como a música de uma forma calma e depois o ritmo vai aumentando, culminando num frémito de desgosto
muito bem construído e uma música perfeitamente adequada.
Parabéns aqueles que escolheram a música portuguesa.
então ninguém continua? estou à espera do proximo capitulo:))
beijocas grandes a todos
Bem... o César é muito traumatizado!! É bem pior do que eu!! eheheh
Astuto os meus Parabéns pela continuação de mais um capítulo e a escolha da música não podia ser melhor!!
Agora estou com um problema... não posso suir mais e não sei como é que vou conseguir dormir hoje... estou sôfrega por ler já, já o próximo. Quem quer que seja que não demore muito.
Um abraço a todos. Parabéns pela inicitiva e espero que quando for a publicação do livro apareçam na sessão de autógrafos! :)
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