quarta-feira, 9 de maio de 2007

Capítulo XV

O motorista do táxi estava entretido a falar sobre o penalti que tinha sido marcado contra o Benfica na noite anterior, mas Bernardo não gostava de futebol. Nunca tinha gostado. Sua paixão era a pesca desde o dia em que o seu pai o levara pela primeira vez a pescar no Tejo. Tinha apenas 5 anos e mal conseguia segurar na cana para puxar os peixes.
Nasceu em Vila Nova da Barquinha, em 1960. Sua família nunca teve muitas condições. Na maior parte da sua vida só ele e a mãe estavam em casa, pois o pai tinha ido para a guerra em 1970 e nunca mais voltara. Cedo ele teve que se tornar no homem da casa.
Sempre fora muito inteligente. Na escola já pensava que um dia seria alguém importante. Não sabia como chegaria lá, mas a sua ambição e a sua perseverança nunca o abandonariam.
Em 1987 entrou para a universidade em Lisboa. Toda a sua família tinha orgulho dele. Tinha escolhido Direito, pois era aquilo que o seu pai sonhava que ele estudasse, mas sabia que aquele curso não seria o suficiente para o ajudar a conquistar os seus objectivos. Sim, porque nesta altura já sabia o quais eram os seus objectivos de vida.
O curso foi útil, pois conheceu algumas pessoas influentes. Desde que lera “O Príncipe”, de Maquiavel, percebera que nesta vida é preciso usar em nosso benefício o que as pessoas têm de melhor. Acreditava que só os ambiciosos triunfam.
No mesmo ano em que sua mãe morreu e Bernardo acabou o curso de Direito, ingressou no segundo curso. Estava cada vez mais obcecado com o seu plano, e a Economia o ajudaria a perceber melhor o universo financeiro. Seria essencial. Nas suas horas vagas devorava leis que seriam úteis para fundar a sua associação de ajuda principalmente a pessoas desempregadas ou desocupadas. Seria fácil ser visto como uma pessoas que pensa no bem comum.
Mas agora Bernardo estava quieto, absorvido pelos seus pensamentos. Aquele era o último passo antes de chegar onde sempre sonhara estar. Era o começo de uma nova vida.

“Pedro?”
“Bernardo, meu grande amigo. ‘Tás bom?”
“Tudo bem. Hoje é o dia. Podes passar no escritório?”
“Claro! Mas ela vai estar lá?”
“Vou dizer-lhe que vais passar por lá na hora do almoço. Ela fica à tua espera.”
“Ligas-me quando chegares?”
“Ok”
Pedro era seu amigo desde a época em que estudaram Direito juntos. Eram muito diferentes. Pedro tinha pais ricos, e talvez por isso não tivesse grandes ambições para o futuro. Sabia que quando acabasse o curso teria um emprego garantido na firma do pai. Bernardo sabia que um dia ele poderia ser-lhe útil.

Saiu do táxi com a sua mala de mão, a mala do portátil, e o jornal debaixo do braço. Pelo menos por enquanto não precisaria de muito mais do que isso. E quando precisasse, poderia comprar tudo novo.
Parou num daqueles cogumelos que os aeroportos têm agora para os fumadores. Não gostava de se sentir excluído e não gostava de ter que fumar ali, mas hoje não tinha cabeça para pensar sobre a injustiça dos cogumelos.
Acendeu um cigarro e abriu o jornal, mas não conseguia estar com atenção. Folheava as páginas, mas a sua cabeça estava noutro lugar. Entretanto, passou os olhos por uma frase que o fez pensar: “Nesta busca incessante pelo mundo, às vezes deixamos escapar aquilo que se encontra mesmo debaixo dos nossos olhos.” Pensou na Marta, seu braço direito. Ela acreditaria no que Pedro tinha para lhe dizer?
Desde os tempos do curso de Economia, onde se conheceram, Bernardo sabia que Marta tinha uma capacidade fora do normal de “avaliar” as situações e prever alguns acontecimentos. Ela não se apercebia (ou não acreditava), mas já tinha salvo a sua vida pelo menos uma vez.
Marta ajudou-o a fundar a Associação Nacional do Direito ao Crédito e a implementar o microcrédito em Portugal. Ela o respeitava, e nunca soube quais eram os reais objectivos de Bernardo com aquela associação. Mas para isto ele teve que viver como uma pessoa honesta e altruísta. O plano estava todo dentro da sua cabeça. Bastava que ele seguisse, com calma, os passos que tinha friamente calculado.

“Estou?”
“Marta, tem o telemóvel desligado!” Detestava quando ela fazia isso. Nos momentos mais importantes estava incontactável, e ele que ficasse atrás dela.
“Desculpe, Bernardo. O meu telemóvel ficou sem bateria e está a carregar.” Parecia sentir-se culpada, e isso já bastava para que Bernardo ficasse satisfeito. Talvez assim aprendesse.
“Marta, ontem à noite deixei na gaveta da minha secretária um envelope fechado. Vai passar aí no escritório uma pessoa, um homem, antes da hora do almoço, para o ir buscar.” Ouvia-se uma avião a descolar. “Faça-me o favor de lho entregar.” Meses antes tinha lhe confiado as chaves de todas as suas gavetas. Sabia que um dia podia ser necessário.
“Sim, Bernardo”. Ela sentia-se importante, de confiança. Isso era importante para que agisse como ele esperava.
“Só mais uma coisa, Marta.” Este homem que lhe falei chama-se Pedro e para além de ir buscar esse envelope vai entregar-lhe um dossier confidencial.” Esta história do dossier tinha inventado agora. Queria deixá-la curiosa. Não queria que ela se sentisse tentada a ir almoçar sem falar com Pedro. “Percebeu?”
“Certo, Bernardo. Faça uma boa viagem”. Ela pensava que ele ia embarcar para Dhaka, como tinha feito em todos os anos anteriores, mas desta vez ele tinha um destino muito mais atractivo. Não teria mais de aturar os presidentes de associações de microcrédito. Nunca mais!

Agora era só esperar.
Pegou nas suas coisas e foi comprar a passagem. Já só havia lugares na primeira classe, mas naquele momento ele só pensava em embarcar. Tirou algumas notas de 100€ da carteira, pagou e foi fazer o check-in. Estaria no ar em menos de uma hora. Fora de Portugal estaria seguro.

Chegou a Barcelona ainda não eram 15h. Já tinha saudades daquela cidade. Era irreverente, colorida, aconchegante. Gostava de poder morar ali, mas isso era impossível, pois ali poderia facilmente ser encontrado.
Instalou-se num studio que havia arrendado pela Internet. Não era luxuoso, mas a localização era excelente. Ficava no Passeig Gracia, perto da Praça da Catalunha e das Ramblas. Ali tinha tudo o que precisava, e todas as noites poderia ver da sua varanda a Casa Batlló iluminada. A iluminação parecia torná-la ainda mais bela e colorida.
Naquela altura Pedro já tinha conversado com Marta. Já lhe tinha contado toda aquela história sobre ele, Bernardo, ser um viciado em jogo que tinha entrado em negócios ilícitos. Achava até piada. Quando seria ele estúpido o suficiente para se meter com os ciganos? Não. Ele queria mais. E sabia como chegar lá.
A ideia tinha sido de Pedro, é claro. “Até custa a acreditar que a Marta vá demorar mais do que 10 minutos para saber que essa história é falsa.”, pensou alto. Às vezes ele falava sozinho. Se calhar era por ter sido sempre assim. Sozinho.
Ela demorou um dia. Talvez Pedro tivesse sido mesmo convincente, ou talvez ela estivesse tão “ocupada” a olhar para os seus belos olhos verdes que preferiu não ouvir a sua intuição. Mas acabou por chegar lá.
Ainda tinha falado com Pedro algumas vezes por telemóvel na frente de Marta para que a história fosse mais convincente. “Pedro deve estar a adorar isso tudo. É bom, porque assim também ele se distrai.” Tinha-lhe dito que ia estar em Barcelona depois do encontro em Dhaka e que voltaria para Portugal em breve.
Já há alguns meses Bernardo tinha começado a elaborar uma estratégia para distrair Marta. Ela não podia desconfiar. Lembrou-se que o seu amigo Pedro por acaso até conhecia algumas pessoas que trabalhavam na Judite, e perguntou-lhe se não estaria interessado em apresentar uma pessoa com PES aos investigadores. Adorou a ideia. Até já começara a “fazer um filme” sobre como Marta poderia descobrir milhares de criminosos e ficar muito famosa.
Pedro era mesmo assim. Às vezes até parecia viver num outro mundo em que só existiam séries de televisão, livros do Dan Brown e teorias da conspiração. Ficaria tão empolgado com a sua participação naquilo que chamava de “conto policial” que não pararia para pensar nas verdadeiras intenções do amigo.
Bernardo tinha certeza de que Marta adoraria fazer algo mais empolgante do que ficar cinquenta horas por semana trancada naquele escritório. Talvez ela até se sentisse “realizada”.

Adorava ir para o Park Güell no fim da tarde e ver a cidade enquanto tomava um frapuccino de chocolate da Starbucks. Era um dos pequenos prazeres que ia lhe custar deixar para trás.
O telemóvel tocou. Era Diogo Madureira, irmão de Pedro. Tinha telefonado para a dizer que a Clara tinha morrido e que Pedro estava a precisar de algum apoio. Bernardo, como bom amigo, poderia tentar falar com ele e oferecer uma palavra de conforto. Mas ele só conseguia pensar que aquela era uma óptima oportunidade para tirar Pedro de cena. Pedro andava a desconfiar da demora de Bernardo a voltar para Portugal.
“Acho que a melhor coisa é pedir ajuda ao Dan Brown.”, ironizou. Pedro havia lhe oferecido o livro “Código da Vinci” no último Natal, mas Bernardo não era um grande apreciador deste tipo de escrita. Preferia ler filósofos como Hobbes e Maquiavel, que viam a natureza humana como ela realmente é.
Foi à biblioteca pública e pediu para consultar o tal livro. Nem precisou ler muito para que a sua criatividade começasse a trabalhar. Pedro era Robert Langdon, e Marta poderia ajudá-lo e ser uma espécie de Sophie Neveu. “Que grande dupla!”, pensou. Bernardo sentia-se extasiado com as suas ideias.
Precisava de um mapa que ajudasse Pedro “Langdon” Madureira a desvendar o mistério. Já estava mesmo a ver Pedro a percorrer as ruas escuras de uma vila no seu Smart. Mas antes precisava de uma história!
Passou a noite a escrever um enredo no seu portátil. Iria pôr a sua capacidade criativa à prova. Tinha que falar com Pedro logo pela manhã e enviar o “mapa do tesouro”. “Mas qual seria esse tesouro? O assassino da Clara, talvez. Não será muito mórbido? Talvez ela seja a única pessoa na cabeça de Pedro neste momento.”, pensava.
Talvez aquela fosse a única forma de unir Pedro e Marta numa “caçada” e distrair as atenções dos dois. Faria com que aquele mapa desse numa quinta. Ela ficava perto de uma floresta numa zona quase deserta, e o portão tinha flechas de ferro forjado preto, e aquilo poderia despertar a curiosidade de Pedro. Os mochos e a escuridão dariam o toque final naquele cenário misterioso. Seria o local de um dos templos da seita da Grande Lua Ibérica. “Que grande nome! Que grande ideia, Bernardo!”. Sentia-se um génio.
A quinta era de um velho conhecido. Ele tinha apenas a companhia dos cães de guarda. As pessoas das aldeias em volta costumavam até dizer que era uma quinta assombrada! Serviria para perderem ali uma noite e ficarem mais uns dias às voltas desse assunto.
Mas Bernardo só precisava distraí-los por mais dois dias. Passaria na Suíça e depois ele estaria bem longe com todo aquele dinheiro. Tão longe que ninguém o poderia encontrar. E teria tudo aquilo com que sempre sonhou!

27 comentários:

Miss Alcor disse...

Eh lá! Muito bem Nathalia! Muito bom mesmo!
Bem me parecia que quando disseste que sabias o que fazer com o Bernardo ias fazer a coisa certa!
Adorei! ;)

Corduroy disse...

Isto é sempre a nivelar por cima!!! Parabéns Nathalia...
Mais enredo... Agora temos um Bernardo escritor!!!

Parece que sou o próximo. Vou trabalhar melhor o que já tenho pensado e o mais tardar sexta "solto" a minha imaginação no blog.

Eduardo Ramos disse...

Mau!
Grande trama!
Um gajo que usa determinada situação para ganho próprio.
Não será ele o assassino, mas com outras intenções nefastas do que o simples prazer de matar?
O cheirar o cabelo da vitima não será o cheirar da vitória que se aproxima?
Temos um "master-of-puppets"?
Marta nem imagina o que lhe espera!
Temos portanto um assassino à solta, e um vigarista de alto gabarito?
Ele não iria correr risco colocando alguém no seu encalço, caso fosse o assassino...

... quem vem a seguir que calce luvas... porque isto está cada vez está mais quente!

Cristina disse...

Belo trabalho... A história está cada vez mais intrigante. Grande trabalho para dar volta a algumas personagens que já tinham um rumo quase definido.

Boa sorte aos próximos... vão precisar LOLOL

Touro Zentado disse...

Ora bem...
Mais um capítulo imaginativo, em escrito e cheio de informação!
Acabou de se fechar uma porta (a da seita) e abriu-se outra (a do Bernardo corrupto...)...
A intriga continua a adensar-se...
Está na hora de avançar...

Daniella disse...

O conto está cada vez mais empolgante! Já começa a ser o meu “livro de cabeceira”…

Parabéns Nathalia!

susemad disse...

Nathalia... dou-te os meus Parabéns!! Este capítulo trouxe muita coisa nova. :)
Agora é só esperar pelos próximos!! :)
Ops!! E já estou atrasada... eheheh

Anônimo disse...

eh eh eh! Muito bem Natalia :) gostei muito do novo caminho do Bernardo. Devo confessar que a porta fechada da seita agradou-me...

Anônimo disse...

bem tou baralhado mas acho que chego la.


bjj

M.o

Touro Zentado disse...

Todos os contadores são chamados ao "outro" blog... Com urgência...
TODOS!

blimunda sete luas disse...

Excelente reviravolta. Uma boa dose de realismo, do meu ponto de vista, bem mais interessante. Parabéns!

Anônimo disse...

Estive a reler o conto...e não percebi o seguinte:

Se Pedro tem cerca de 35 anos, o Bernardo nasceu em 1940, e o Bernardo estudou com Pedro Direito, tendo entrado para a Universidade com 27 anos - como é possivel o Pedro ter entrado com somente 15 anos!!!

...pessoalmente, sinto falta da música que indicia que nos encontramos na actualidade e faz ancoragem ao programa de rádio e às respectivas personagens relacionadas...

Apesar das arestas a limar aí vai mais um incentivo para continuarem...Parabéns

Até breve...

Leonor Martins disse...

Queria dizer 1960 ao invés de 1940 :)

Corduroy disse...

Bem visto Leonor. Ainda k temos leitores atentos!!!

Luis Prata disse...

Obrigado Leonor!

Nathalia disse...

Ninguém disse que o Pedro tinha 35...a Marta é que achou que ele parecia ter!

Corduroy disse...

Sim tens razão Nathalia. O Pedro pode e bem ter mais 3 ou 4 anos em cima... :)

Jaleco disse...

Touro...ñ tou a conseguir aceder à discussão do outro blog :s!!!!!!!!!!!

Anônimo disse...

Claro que pode ter mais 3 ou 4 anos...e também não afirmei que tinha sido dito!!!

Apenas como leitora da história construi um quadro com as informações fornecidas...algo que outros leitores atentos também farão...e questionei!

Para quando o próximo capítulo?

Até breve...

Anônimo disse...

só uma sugestao pequenina...nao inventes mais personagens.começa a tornar-se cansativo fazer a junção de todas.


boas postagens!!!
M.

Luis Prata disse...

Sr, Sra anónimo,

obrigado pelo seu comentário. Estamos em sintonia e a juntar esforços para não complicar muito as coisas.

Corduroy disse...

O próximo capitulo fica em stand-by até segunda-feira. Já está pronto mas falta limar umas arestas... :D

Bom fds a todos.

Anônimo disse...

aqui a sra. anonima( M.) agradece a resposta do sr. Pratas!!! espero que não compliquem, pq assim ja está bom, mais só vai estragar!

boas postagens!!

M.

Leonor Martins disse...

O silêncio às vezes torna-se assustador, principalmente, quando existem algumas limitações à sua compreensão...

Neste espaço, há alguns dias atrás...quando referi algumas preocupações quanto à criação de um espaço reservado - era isto que temia!

Espero que não tenham perdido a motivação e prazer para a escrita -procurando que a história seja perfeita à partida, condicionando inconscientemente a criatividade individual inter-pares.

Bom fim de semana a todos, e 2ª feira voltarei ansiosa para ler o proximo capitulo...com as arestas limadas :)

Até breve...

Daniel Santos disse...

Bem, devo ser dos últimos a ler este capítulo, mas li! Claro que li, como poderia perder tamanha "obra". Antes de mais, parabéns à Nathalia. É um capítulo muito bem elaborado. Conseguiu acabar com a seita...Isto se ninguém lhe voltar a dar a "volta". Até poderia ser uma boa ideia a da seita, mas tudo bem na mesma, já há história suficiente para dar continuidade ao conto sem ter de introduzir mais novidades "bombásticas". Apesar de que neste capítulo ter sido trocada a seita pela história do Bernardo, que afinal está apenas a 2 dias de "fugir" (será?) com todo aquele dinheiro (qual dinheiro? De onde?). Ou seja, temos mais um caso a resolver no conto.
Eu não sei se já alguém se lembrou disto, e eu lembro porque escrevi no meu capítulo: E onde está o Mário? Ainda em casa da Marta? E o que é que o assustou tanto? Seria o tal dinheiro que o Bernardo "quer"?

Isto está a ficar interessante...cada vez mais interessante! (Sim, porque interessante está desde o primeiro capítulo)
Bom trabalho para o próximo :o)

Touro Zentado disse...

Caríssimos leitores,
apesar da falta de movimentação posso garantir-vos que o conto vai ter novidades brevemente. Em princípio já amanhã, segunda-feira, o conto terá um novo capítulo.
Obrigado por continuarem a visitar :)

Luis Prata disse...

Estou ansioso :) Venha daí o próximo!